quarta-feira, 27 de setembro de 2017

As Bruxas do Espírito Santo

O Santo Ofício na Capitania do Espírito Santo

Por Luiz Mott[1]


1. Introdução

Até o presente, pouquíssimas são as referências relativas à presença da Inquisição nos livros dedicados à história da Capitania do Espírito Santo. 

O primeiro a mencionar tal presença foi Varnhagen, que em 1845, no seu importante artigo "Excertos de varias listas de condenados pela Inquisição de Lisboa desde o ano de 1711 ao de 1767" refere-se a dois moradores desta capitania processados pela Santa Inquisição: em 1726, o cristão-novo Brás Gomes de Siqueira e em 1744, o índio feiticeiro Miguel Ferreira Pestana. [2] 

Em 1876, os Editores Laemmert, do Rio de Janeiro, publicam um opúsculo de 31 páginas intitulado "Um fato da Inquisição no Brasil" onde um escritor anônimo, talvez Azambuja Susano, autor de "Brás Gomes e a Inquisição na Província do Espírito Santo" divulga mais detalhes sobre a biografia do citado cristão-novo. [3]

Um século após estas primeiras notícias, na obra Cristãos-Novos: Povoamento e Conquista do Solo Brasileiro, o historiador José Gonçalves Salvador amplia a lista dos moradores da Capitania do Espírito Santo cujos nomes aparecem referidos nos processos de judaísmo da Inquisição de Lisboa – voltando ao mesmo tema na obra A Capitania do Espírito Santo e seus Engenhos de Açúcar (1535-1700), enfatizando novamente a presença de algumas dezenas de cristãos-novos nesta região. [4]

Outros autores locais ou ignoram, ou citam apenas en passant a presença inquisitorial em terras capixabas, geralmente concentrando-se apenas no episódio do judaizante Brás Gomes de Siqueira, entre eles, José Teixeira Oliveira, Braz da Costa Rubin, Serafim Leite, Heribaldo Balestrero, Basílio Daemon, Padre A. Sequeira e Mário Aristides Freire, Frei Basílio Rower, Affonso Schwab, entre outros por nós consultados e referidos na bibliografia.

Em nossas prolongadas pesquisa na Torre do Tombo, conseguimos localizar até o presente seis processos inéditos de naturais ou moradores do Espírito Santo vítimas da repressão inquisitorial no Brasil, incluindo mais seis processos referentes à nomeação e atuação de três Comissários, um Notário e dois Familiares do Santo Ofício nesta Capitania. Além dos cristãos novos do século XVI e XVII já mencionados pelo historiador José Gonçalves Salvador, acrescentamos mais uma dezena de judaizantes do século XVIII nascidos ou moradores no Espírito Santo.

À guisa de introdução, gostaria de pontuar que embora este ensaio traga importantes e inéditas informações relativamente à história colonial desta Capitania, seu objetivo é modesto: fornecer as pistas do dificultoso caminho das pedras que é a pesquisa da documentação inquisitorial, estimulando aos historiadores do Espírito Santo que aprofundem as indicações aqui apresentadas de forma sumária.


1- Judeus e Hereges

O mesmo monarca, D.João III, cria em 1534 a Capitania do Espírito Santo, e dois anos depois, em 1536, estabelece em Portugal o Tribunal do Santo Ofício da Inquisição. Espírito Santo e Santo Ofício, portanto, são filhos do mesmo soberano, rebentos de uma mesma época: a criação da capitania refletindo a política expansionista de Portugal que se enraizava institucionalmente no ultramar; a Inquisição vindo a representar o controle judicial e policial por parte da Igreja face às ameaças à integridade da fé

O Tribu­nal do Santo Ofício tinha como principal atribuição perseguir as heresias - sobretudo o judaísmo, protestantismo, as proposições heréticas e feitiçarias, incluindo igualmente também o castigo aos bí­gamos, sodomitas e aos sacerdo­tes que no ato sacramental da confissão, solicitavam as/os penitentes para atos torpes. [5]

O ano de 1591 representa senão a data inaugural, mas com certeza o momento mais dramático da intervenção do Tribunal do Santo Ofício em terras do Brasil: é quando chega à Bahia, capital da América Portuguesa, o Licenciado Heitor Furtado de Mendonça, instalando com toda pompa e ostentação, a Primeira Visitação do Santo Ofício às Partes do Brasil. Dentre os 121 confitentes/denunciantes ouvidos nesta visitação, quando menos duas vezes é citada a Capitania do Espírito Santo: a cristã-velha Antônia de Bairos, 70 anos, residente em Salvador, envolvida com o crime de bigamia, declarou aos 23 de agosto de 1591, que seu primeiro marido, Álvaro Chaveiro, se afastou dela e mudou-se "para a capitania do Espírito Santo" .[6]

Uma segunda confitente, também Antônia, só que "de Oliveira" e cristã-nova, de idade de 30 anos, confessou que há seis anos passados, quando vivia na Capitania do Espírito Santo aí praticava a Lei de Moisés, rezando as orações judaicas e cumprindo os jejuns rituais.[7]

Salvo erro, estas seriam as primeiras referências documentais relacionando a novel capitania do Espírito Santo com a Santa Inquisição. Logo no ano seguinte, um episódio de hostilidade à presença do Visitador teria ocorrido nesta capitania. Capistrano de Abreu, na Introdução do livro da 1a Visitação do Santo Ofício às partes do Brasil, refere-se a uma carta que o Padre José de Anchieta, datada de 2-9-1592, onde relata que um morador na Capitania do Espírito Santo, segundo parece, chamado Rocha, sentindo-se agravado pelo Visitador Inquisitorial, "lhe atirou duas noites com um arcabuz a sua janela. Foi preso e se os padres que são adjuntos do inquisidor não trabalharam muito nisso, ele não escapava da morte de fogo, conforme a bula do Papa, mas eles a interpretaram de maneira que pareceu bem ao inquisidor dar-lhe a vida, mas contudo saiu com degredo para as galés por dois anos, sendo os primeiros cinco domingos na Sé com grilhão e baraço e no cabo deles, pregão por toda a cidade, com baraço a cumprir um ano de cadeia e depois o degredo."[8] Se de fato o tal Rocha era morador nesta capitania, trata-se então do primeiro residente do Espírito Santo a ser preso e processado pelo Tribunal Inquisitorial.

Outro episódio referente à atuação do Santo Ofício nesta Capitania remete-nos ao único caso de protestantismo aí conhecido: trata-se de uma denúncia contra Roberto Arrundel, cidadão inglês, natural de Cornval, terra de seu pai, filho de Roberto Arrundel e sua mulher Isabel, fidalgos, solteiro, 26 anos, presos no ES, por "culpas de luteranismo". Teve porém seu processo interrompido por ordem do Governador Geral, que determinou ao réu embarcar para o Reino, seguindo mandado do próprio Rei. [9]

Nestes inícios da história espírito-santense, o traço mais notável relativamente ao tema inquisitorial, é a forte presença de cristãos-novos nesta novel capitania – aliás, como ocorria nas demais vilas de norte a sul da América Portuguesa. [10]

Segundo informa o principal "expert" em judaísmo nas Capitanias do Sul, José Gonçalves Salvador, as primeiras famílias de cristãos-novos (doravante referidos como o eram nos documentos da época com a abreviatura "XN") chegam ao Espírito Santo três décadas após sua fundação. Por volta de 1566, chega à vila de Vitória o mercador Manuel Alvares de Barros , pai de Bento Teixeira, o famoso autor de Prosopopéia. Estão igualmente entre os pioneiros judeus estabelecidos aí ainda nos quinhentos, a família de João Roiz, Manuel e Pedro Andrade, Gomes e Mendes Bravo, Gaspar Dias.

Entre 1580-1585 chegam à capitania cinco membros da família Vidigueira, provenientes de Porto Seguro. Também vive aí nesta época a judaizante Catarina Alvares, costureira e sua filha Maria, casada com o boticário Luís Antunes, todos de tradição sefardita. "Percebe-se assim que a comunidade de XN já era notável em fins do século XVI, quando então a conduzi-la espiritualmente figura o mercador e senhor de engenho Francisco Rodrigues Navarro, em cuja moradia os congêneres costumavam reunir-se às sextas feiras, à noite, para o culto e doutrinação." (26) A maioria dos engenhos eram de cristãos-novos. O próprio Padre Anchieta era de linhagem cristã-nova. 33Vários são os "judeus errantes" que apenas provisoriamente aí se instalam, mudando-se pouco tempo depois desta capitania para outras partes do Brasil ou mesmo para exterior, as vezes fugindo dos Visitadores quando inquiriam na Bahia, Pernambuco e demais partes dominadas por Portugal. [11]

Por volta de 1628, quando é realizada a Visitação conduzida pelo licenciado Luís Pires da Veiga, que percorreu Angola, Rio de Janeiro e Espírito Santo, por esta mesma quadra tiveram seus nomes denunciados no Santo Ofício os seguintes cristãos-novos: em 1628, Aires Nunes d'Ávila e Manoel Fernandes Delvas, mercador; em 1674, Brás Gomes de Siqueira, negociante e Luiz de Matos Coutinho, traficante de escravos e senhor de engenho[12]; Lourenço de Sousa, capitão, 1680[13]. Frei Antônio Moura, vigário da Freguesia de Nossa Senhora da Vitoria , ele próprio de família hebréia, é apontado como o responsável pelo clima de tolerância vis a vis os judeus vigente na capitania.[14]

Tolerância relativa, pois em outubro de 1655, o Capitão Mor do Espírito Santo, Simeão de Carvalho, escreve uma carta ao Rei, assim dizendo:
"Quando cheguei a esta capitania, achei preso na cadeia pública a um morador, [Antonio d'Orta] mercador e homem da nação hebréia, de malévolo (?) coração... o qual em um jogo da bola público largar palavras atrevidas e desaforadas contra a real pessoa da Majestade e contra a conservação deste Reino, as quais por reverência deixo de repetir... há três anos que o dito Antônio d'Orta está aqui, potentado, rindo-se de todos e cometendo homicídios e desobedecendo a quem governa, sendo que o povo esperava ver nele um grande castigo.... Ele é um fero traidor de Deus e a Vossa Majestade pelas razões seguintes: em primeiro lugar não somente é homem da nação hebréia, mas reputado por judeu e que como tal, observa a Lei de Moisés, e por isto, sempre tratou de dar entrada aos holandeses para viver à larga. .. O seu secretário é outro judeu, que aqui morava, Manoel Rodrigues Capão, o qual quebrou e fugiu para Pernambuco."[15]
Segundo J.G.Salvador, ao final do século XVII, contudo, com a queda do preço do açúcar brasileiro devido a concorrência das Antilhas, muitos senhores de engenho e mercadores judeus abandonam a região. [16]

Para o século XVIII, a principal fonte para a reconstituição da história da presença judaica nesta capitania é o Rol de Culpados, onde uma das principais luminares dos estudos inquisitoriais no luso-brasileiros, Profa. Anita Novinsky, enumerou 1819 cristãos novos do Brasil, dos quais 20 eram naturais ou moradores no Espírito Santo, denunciados entre 1709-1729. [17] Eis sua relação, com alguns detalhes sobre a biografia de cada um, agrupados no ano em que seus nomes foram denunciados no Santo Ofício:
§ 1709, Gomes Dávila, natural do ES, morador em Lisboa, filho de Gomes deDávila e Cecília de Magalhães;
§ 1711: André Corrêa, natural do ES e morador no RJ, casado com Francisca da Fonseca, contrata com as minas; Antônio da Costa, natural do ES e morador no RJ, casado com Francisca da Costa, contrata para as minas; Baltazar da Costa, natural da vila do ES, viuvo, contrata para as minas; Bernardo Tourinho, natural do ES e morador no RJ, casado com AndrezaTourinho; Diogo Raceiro, natural do Reino e morador no ES, vive de fazenda; Gonçalo da Fonseca, natural do ES, morador no RJ, casado com Maria Coutinho; Lourenço de Ávila, morador no ES, casado; Lourenço de Sousa, morador no ES, viuvo sem ofício; Andreza Tourinho, natural do ES, moradora no RJ; Clara da Costa, natural do ES, moradora no RJ; Felipa da Costa, natural do ES, moradora no RJ; Francisca da Costa, natural do ES, moradora no RJ; Francisca da Fonseca, natural do ES, moradora no RJ; Maria Coutinho, natural do ES, moradora no RJ, casada com Gonçalo da Fonseca, lavrador de cana; Mariana de Abreu, natural do ES, moradora no RJ, filha de Bartolomeu da Costa;
§ 1714: Antônio Rois Leão, natural do RJ e morador no ES, condenado a acoites e 5 anos de galés, não era batizado; Fernão de Aramzedo, morado no ES, lavrador de mandioca, trem dois filhos;
§ 1726: Maria, natural e moradora no ES, solteira, filha de Brás Gomes;
§ 1729: Brás Gomes de Siqueira, natural de Santos e morador no ES, filho de Luís Pereira e Ignês do Rosário, defunto nos cárceres, relaxado em estátua no auto de fé de 1729.
Segundo a compiladora desta lista, "a maioria dos cristãos-novos registrados neste rol teve como sentença hábito e cárcere penitencial perpétuo" [18]

Não resta dúvida que de todos os descendentes de judeus que viveram nesta capitania, o mais famoso foi Bento Teixeira, o já citado autor de Prosopopéia, durante anos, equivocadamente, considerado brasileiro, mas que seu processo na Inquisição de Lisboa não deixa dúvida que nasceu de fato na cidade do Porto.[19] Como diversos outros cristãos-novos, viveu apenas poucos anos nesta Capitania. Mais que Bento Teixeira, é Brás Gomes de Siqueira o judeu mais conhecido na história capixaba, não só por ter aí vivido mais de 40 anos, sobretudo ter merecido diversas menções em livros e opúsculos de autores locais, que tiveram como primeira indicação de sua existência a referida obra de Varnhagen, "Excertos de varias listas de condenados pela Inquisição de Lisboa desde o ano de 1711 ao de 1767".

As fontes sobre sua vida às vezes se contradizem. Varnhagen diz: "Brás Gomes de Siqueira , parte de cristão-novo, mercador, natural da Vila de Santos e morador na Capitania do Espírito Santo, Bispado do Rio de Janeiro,: convicto, negativo e pertinaz."[20]

No citado opúsculo de 1876, o autor anônimo diz que era natural do Algarve, era um pescador bem sucedido, devoto de Santiago e Santa Marta, acusado de sentar-se sobre uma caixa onde estava um crucifixo. Seu quadro teria sido legado para Florianópolis e o crucifixo para a Ordem Terceira da Penitência. A mesma fonte informa que Siqueira teria deixado dois irmãos e duas irmãs abandonados. [21]

Segundo José Gonçalves Salvador, que teve em mãos seu processo, que está depositado na Torre do Tombo sob o número 17.815, Brás Gomes de Siqueira teria aprendido no Reino o ofício de ourives e deixando lá os irmãos, veio moço feito para Vitória, onde exerceu a profissão. Estabeleceu-se na capitania por volta de l694, tornando-se mercador, casando-se com Teodora de Oliveira, sem deixar filhos.[22] Em 17 de março de 1724, quando se encontrava em Lisboa, foi preso por ordem do Santo Ofício por culpas de judaísmo, incluindo acusações de heresia e apostasia. Morreu nos cárceres em 1729, e como até então, segundo constava em seu processo, continuava "convicto, negativo e pertinaz", devendo, segundo a lógica regimental do Santo Ofício, ser "relaxado à justiça inquisitorial", isto é, condenado à fogueira, por ter falecido antes do cumprimento de sua virtual condenação, teve sua sentença lida no Auto de Fé de a6 de outubro de 1729, cerimônia realizada na Igreja de São Domingos, a poucos passos da Casa Negra do Rocio, na mesma ocasião em que foram sentenciados 91 pessoas, 46 homens e 45 mulheres, dos quais 10 condenados á fogueira "em carne" e apenas nosso morador do Espírito Santo "em estátua". consta terem assistido a este solene Auto de Fé El Rei e os Infantes. Entre os 14 "brasileiros" condenados neste Auto, três de Minas Gerais, 5 da Bahia e seis do Rio de Janeiro, todos culpados no crime de judaísmo. [23]

Ainda no rol dos denunciados ao Santo Ofício na segunda metade do Século XVIII, por delitos contra a santa fé católica, consta um curioso episódio: num sumário feito o contra Francisco Xavier Correia, ex-morador do Rio de Janeiro, datado de 10 de janeiro de 1758, tenente coronel ad honorem da Capitania de Goiás, Tesoureiro da Santa Casa de Misericórdia, acusado de dizer duas seguintes proposições heréticas: que a fornicação só era proibida pelas leis da Igreja e não de Deus e que os papas não podiam conceder indulgências aos mortos. Consta na mesma denúncia que este "libertino" havia viajado para o Espírito Santo.

O Santo Ofício determina que fosse feito mais sumário. Sabedor de que fora denunciado, para evitar maiores perseguições, toma iniciativa de escrever uma confissão onde relata as discussões teológicas e morais que tivera com alguns interlocutores,
"prometendo viver e morrer na nossa Santa Fé Católica".
[24]

Se chegou a fazer prosélitos quando esteve nesta Capitania, só o Espírito Santo pode saber!


2- Desvios Sexuais

Além dos crimes contra a fé – judaísmo, protestantismo, proposições heréticas e feitiçaria – pertencia igualmente à alçada inquisitorial a perseguição de três desvios sexuais: a bigamia, a sodomia e a solicitação. Coincidentemente, o nome da Capitania do Espírito Santo faz-se presente nos livros, repertórios e processos consagrados a estes três crimes.

O primeiro desviantes sexual a cair nas garras da inquisitoriais foi Antônio Lourenço de Almeida, ex-soldado do terço do Algarve, natural do Faro, tinha cerca de 40 anos em 1675. Morava no Espírito Santo e vivia de sua fazenda. Foi denunciado como bígamo e preso depois de diligências realizadas tanto no Reino quanto na Capitania. Apurou-se que havia 12 anos que se casara no Algarve com Maria Calada, com quem viveu por 2 anos. Segundo contou ao inquisidor, sucede então uma desgraça em sua vida conjugal: a mulher foge com um clérigo, e para escapar do opróbrio popular, atravessa o mar oceano em direção à América Portuguesa. Após cinco anos de Brasil, no Espírito Santo, finge-se de viúvo, casando-se com Dona Joana de Almeida, com quem há vivia maritalmente há três anos, apresentando para tanto, junto às autoridades eclesiásticas locais, testemunhas falsas que juraram te-lo conhecido em sua terra natal e atestavam que sua primeira mulher era falecida. Após diversas audiências nos cárceres inquisitoriais de Lisboa, no meio do processo acaba admitindo que toda sua história não passara de fingimento, pedindo perdão e misericórdia aos reverendos juízes.

Sua Sentença traz a data de 16 de maio de 1678: foi condenado a sair em auto público, a fazer abjuração de leve dos erros cometidos, a sofrer a pena dos açoites "citra sanguinis effusionem" e condenado a e 5 anos de galés. Se voltou algum dia aos Brasis, a documentação não informa.[25]

Perguntaria o leitor: porque este ex-soldado algarvio arriscou-se a cometer um crime perigoso, podendo sofrer horrores nas mãos do Santo Ofício, se já vivendo amancebado com sua nova mulher, corria risco muitíssimo menor, ou praticamente nenhum, posto que embora as Constituições Episcopais tivessem poder de multar às pessoas concubinadas, raramente eram executadas tais condenações? A resposta tem a ver com o prestígio que só os homens sacramentalmente casados gozavam não só na colônia como no orbe cristão em geral: só os homens casados podiam acender nos empregos e cargos públicos; os filhos de amancebados carregavam o estigma da bastardia, sendo-lhes obstaculizado ou mesmo proibido o ingresso nas ordens religiosas, dignidades eclesiásticas e respeito social. Assim se explicam os muitos casos de homens ou mulheres casadas que deixando o primeiro cônjuge alhures, fingiram-se de solteiros ou viúvos, realizaram segundas núpcias , sacrílega e criminosa, preferindo o reconhecimento social e correr o risco não só da condenação eterna no inferno, pelo pecado mortal do adultério, como os castigos corporais impostos pelo Tribunal do Santo Ofício.[26]

O segundo crime sexual perseguido pela Inquisição ocorrido no Espírito Santo leva-nos ao ano do Senhor de 1688. Como diversos outros episódios inquisitoriais ocorridos nesta Capitania, trata-se de mais um "passageiro" e não propriamente natural ou morador fixo nesta localidade.

Trata-se de um dos mais clamorosos e românticos casos de sodomia (homossexualidade masculina) ocorrido no Brasil em todo período colonial: refere-se ao "affair" de Luiz Delgado, violeiro e estanqueiro de fumo, natural de Évora, 40 anos, casado com Florença Dias Pereira, que sabe ler e escrever, filho de Luiz Delgado e Joana Machado, "alto de corpo, alvarinho, magro de cara". Em sua fuga do Rio de Janeiro, com medo de ser preso pelo Santo Ofício, refugiou-se no Convento da Penha de Vitória, um episódio a ser incluído nos anais do mais famoso santuário do Espírito Santo.

De todos os sodomitas do Brasil, é sobre Luiz Delgado de quem dispomos da maior quantidade de detalhes biográficos, conservados em dois grossos processos na Torre do Tombo.[27] Sua fama de sodomita começou na cadeia de Évora, em 1665, quando tinha por volta de vinte anos, acusado de manter intimidades homoeróticas com seu cunhadinho Brás, de 12 anos. Ë degredado para o Brasil e por volta de 1670, Luiz Delgado encontra-se instalado na Bahia – passando de violeiro à rentável profissão de “estanqueiro de fumo”, tendo loja onde comprava e vendia tabaco no atacado e varejo.

Apesar de casado, aliás, como ocorrida com grande parte dos sodomitas na época, em 1675 espalha-se “a fama geral entre brancos e pretos que Luiz Delgado era fanchono e sodomita”, provocando escândalo e murmuração, não só suas solicitações esporádicas a escravos e rapazes sem eira nem beira, mas os “casos” amorosos mantidos com quatro moços: o soldado José Nunes, a quem Luiz Delgado presenteou com um anel de ouro; Manoel de Sousa Figueiredo, “de rosto e jeito afeminado e bem afigurado”; José Gonçalves, de quem “fazia tanto caso como se fosse seu filho” e com o qual o estanqueiro praticou mais de 80 atos homoeróticos; e Doroteu Antunes, 16 anos, seu derradeiro romance, “bem parecido e trigueiro, tinha cara como uma dona” – tão efeminado que se travestia de mulher em comédias públicas.

Segundo uma testemunha de seu processo, receoso que a fama de fanchono e sodomita avivada publicamente pelo escandaloso romance que mantinha então com o ex-transformista DoroteuAntunes, temendo sua prisão, primeiro homiziou-se no Convento do Carmo do Rio de Janeiro, fugindo a seguir, por terra, em direção ao Espírito Santo.

Um soldado e um mameluco que acompanharam o casal gay em sua fuga, foram posteriormente ouvidos no sumário de culpas contra os fanchonos: Luís Nunes, mameluco, solteiro, natural de S. Paulo, 25 anos, diz que sendo familiar na casa de Luiz Delgado, viu o estudante Doroteu Antunes morando com ele e ficando ambos de porta fechadas, surpreendendo-os na lógea de sua casa sobre um banco se beijando e abraçando. Disse mais, que no caminho ao Espírito Santo, dormiam sempre juntos, na cama, no barco, na rede ou no chão, e que o mais velho “não comia bocado que não desse a Doroteu, chamando-o por vezes de filho, e outras, de frade, porquanto o estudante pretendia sê-lo no Convento de São Francisco no RJ“

O segundo informante foi Manoel de Toledo de Silveira, solteiro, soldado, natural da Ilha Terceira, 31 anos, o qual ratifica os mesmos detalhes supracitados, acrescentando que conhecia Luiz Delgado desde quando ambos estiveram refugiados no convento carmelitano do Rio de Janeiro, e que durante a viagem, o fanchono chamava seu estudantinho de “meu filho, meu amor e meu bem” e que dormiram dentro de uma canoa com uma esteira por cima e os viu se beijar e abraçar, “suspeitando que entre eles havia algumas torpezas de fanchono e sodomitas”.

Chegando em Vila Velha, provavelmente em meados de 1688, pediu asilo aos franciscanos, "se homiziando no Espírito Santo no Convento de São Francisco da Penha, em Vitória e quando souberam que tinha se homiziado por sodomia, o puseram para fora e ele embarcou-se escondido para Bahia".

Presos pouco tempo depois em Salvador, o casal de amantes é remetido para os Cárceres Secretos da Inquisição de Lisboa: Doroteu Antunes é condenado a três anos degredo em Castro Mearim, enquanto Luiz Delgado, além de torturado, é condenado a dez anos de exílio em Angola, na mesma época em que o poeta Baiano Gregório de Mattos lá se encontrava homiziado.

A reação intolerante dos franciscanos do Convento da Penha, apesar de hipócrita, considerando que nesta mesma época a homossexualidade era apelidada, com razão, de vício dos clérigos,[28] reflete contudo a postura oficial da hierarquia católica, que na época assim doutrinava: "Sobre todos os pecados, bem parece ser o mais torpe, sujo e desonesto o pecado de Sodomia, e não é achado um outro tão aborrecido ante a Deus e o mundo, pois por ele não somente é feita ofensa ao Criador da natureza, que é Deus, mais ainda se pode dizer, que toda a natureza criada, assim celestial como humana, é grandemente ofendida: somente falando os homens neste pecado, sem outro ato algum, tão grande é o seu aborrecimento que o ar não o pode sofrer, mas naturalmente fica corrompido e perde sua natural virtude. Por este pecado lançou Deus o dilúvio sobre a terra e por este pecado soverteu as cidades de Sodoma e Gomorra; por este pecado foi destruída a Ordem dos Templários por toda a Cristandade em um dia. Portanto mandamos que todo homem que tal pecado fizer, por qualquer guisa que ser possa, seja queimado e feito pelo fogo em pó, por tal que já nunca de seu e corpo e sepultura possa ser ouvida memória."[29]

Até agora, Luz Delgado e Doroteu Antunes, um português e um carioca, são as únicas referências que dispomos sobre a presença de amantes do mesmo sexo no Espírito Santo Colonial. A falta de documentação não significa obrigatoriamente que não tenham existido outros homossexuais na Capitania, quer entre os indígenas, cuja maior parte das culturas eram bastante abertas à prática do homoerotismo, quer entre os negros, sobretudo oriundos de Angola, onde igualmente o amor unissexual era praticamente institucionalizado.[30] O complô do silêncio capitaneado pelo poder heterossexista contra o "amor que não ousava dizer o nome" se encarregou de destruir todas as provas de sua existência.[31] O mais antigo documento divulgado nesta região referente à homossexualidade é a própria Carta de Doação da Capitania do Espírito Santo a Vasco Fernandes Coutinho, de 1o de Junho de 1534, onde El Rei D.João III outorga a seu Capitão, Governador e Ouvidor a jurisdição e alçada de morte natural, inclusive em escravos, gentio, peões e homens livres, sem apelação nem agravo, em quatro casos: heresia, traição, sodomia e moeda falsa."[32]

O terceiro episódio relativo a desvios sexuais relacionado a esta capitania leva-nos ao segundo quartel do século XVIII, e remete-nos ao frade capixaba Frei Manuel do Espírito Santo, Carmelita calçado, "natural do Espírito Santo de Vitória", residente no Convento da Ilha Grande do Rio de Janeiro, 42 anos, confessor e pregador.[33] Sua biografia oferece lances curiosos e diversos da maioria dos habitantes locais, posto que seu pai era um cirurgião irlandês, cursou teologia no convento carmelitano do Rio de Janeiro (o mesmo em que estivera homiziado o supracitado sodomita Luiz Delgado), tendo sido ordenado em Angola, pelo Bispo da China. O império português em sua diversidade territorial - América, África e Oriente, reflete-se em toda sua extensão na biografia deste frade capixaba. Embora seus delitos atinentes ao Santo Ofício tenham ocorrido fora desta capitania, por ser filho natural do Espírito Santo é que deve estar incluído neste ensaio.

Em1736 chega aos Estaus da Inquisição de Lisboa a acusação de que de Frei Manuel do Espírito Santo, quando residiu em Parati, solicitou ad turpia no confessionário a diversas moças e mulheres casadas, entre elas, Maria Fonseca, solteira, 15 anos; em Mogi das Cruzes, repetiu convite imoral a Angela Ribeiro do Prado, casada, 20 anos, pegando-lhe no peito e querendo meter a mão na suas partes pudendas; também a Maria Pinta, solteira, 18 anos, dizendo que queria brincar com ela em seu quintal, ao que ela respondeu “que não era negra nem bastarda para que sua paternidade tratasse com ela daquela maneira”; a Ana Pedrosa, 20 anos, solteira, a quem o frade capixaba disse que “ela era muito bonitinha e que ainda ia ser sua devota e que tivesse as partes pudendas prontas para ele”; o mesmo praticando com Antônia da Silva, 20 anos, e sua irmã Escolástica, 18.

Em denúncias semelhantes, era praxe do Santo Ofício investigar qual a reputação das mulheres acusantes, pois podia se tratar de calúnias orquestradas para prejudicar o sacerdote. O resultado do sumário foi favorável as senhoritas: todas são reputadas como “bem procedidas e honestas”, confirmando-se sim, que o sacerdote era infamado de solicitador e que chegara ao extremo de ameaçar a uma confitente com uma faca.

Julgando ser matéria suficientemente grave para merecer a abertura de processo, o Tribunal da Inquisição de Lisboa determina a prisão do sacerdote espírito-santense e seu envio para os cárceres de Lisboa.

Lá, aos 27 de agosto de 1740 o sacerdote confessa que há 8 anos de fato, mandou recado por uma sua confessante, Escolástica, à sua mãe, Maurícia da Silva, com quem tinha tratos ilícitos, para que pendesse os cães bravos para facilitar a entrada em sua casa; disse mais, que há 7 anos teve atos lascivos com a escrava Isabel logo após ter ouvido sua confissão no tempo da desobriga quaresmal; também com Escolástica tivera conversações torpes e mantivera atos lascivos no confessionário. Reconhece ter particular e inocente afeição pelas seguintes filhas espirituais: Dona Ana, D. Maria, ambas filhas do Coronel Rodrigues; Ana Coelha, Maria e Ana Pimenta, às quais falava em sua confissão das saudades e sentimentos que alimentava por elas. Pode ser que algumas destas porno-confissões tenham ocorrido em território capixaba, cabendo a futuros investigadores aprofundar esta pista.

Aos 9 de maio de 1741 a mesa inquisitorial divulga a pena conferida a Frei Manuel do Espírito Santo: como era sacerdote, para evitar escândalo e maledicência entre os fiéis, sua sentença foi lida na sala do Santo Ofício (e não na praça pública, como acontecia com o comum dos condenados). Devido a seus excessos e abusos na administração do sacramento da penitência, ficou privado de voz ativa e passiva, impedido e de confessar para sempre, suspenso das ordens sacras por 4 anos, sendo degredado para o convento mais remoto de sua Província onde deverá permanecer no cárcere conventual por 9 anos, sendo proibido de entrar em todas as cidades e vilas onde cometeu o crime de solicitação: Parati, Mogi das Cruzes, Ilha Grande – devendo ainda passar pelo vexame de ter sua sentença criminal lida na sala do capítulo do mesmo convento para onde foi desterrado.[34]

Em l742 o réu, Frei Manuel do Espírito Santo envia requerimento ao Santo Ofício pedindo que fosse revogada a proibição de celebrar missa – pedido negado “por hora”. Cumpre informar que além de ser um exercício de piedade cristã, a celebração da missa diária representava importante fonte de subsídios para as ordens religiosas, posto que nos séculos passados, havia uma verdadeira indústria de missas votivas, destinadas sobretudo às almas do purgatório, canalizando grandes somas de espórtulas para a manutenção da vida conventual em toda cristandade.

Um ano após tal indeferimento, em 743, levados mais pela misericórdia do que pela justiça, o Tribunal da Inquisição revoga a interdição do uso das ordens sacras do carmelita solicitante, podendo a partir de então celebrar o santo sacrifício da missa.

O que sucedeu após esta data ao frade espírito-santense, nada informam os documentos. Uma pesquisa nos livros de tombo e de óbito da Ordem Carmelita do Brasil poderá trazer algumas luzes sobre a biografia deste filho de irlandês e brasileira, natural de Vitória, cujos amores clericais proibidos fizeram-no ficar na história como mais uma vítima da Inquisição portuguesa nativo do Brasil.


3- Feitiçaria

Na mesma época em que estava sendo denunciado o citado frade solicitante, tem início um dos processos mais interessantes para a reconstituição da história social e do cotidiano do Espírito Santo, envolvendo um índio acusado de feitiçaria. Varhagen foi o primeiro a divulgar sua existência: "Miguel Ferreira Pestana, de 40 anos, aliás, Domingos Pedroso, carpinteiro, natural da Aldeia de Araritiba, Capitania do Espírito Santo, e morador na Freguesia de Nossa Senhora da Piedade de Inhumerim, Bispado do Rio de Janeiro. Sentenciado no Autor de Fé de 1744, condenado a cárcere e hábito perpétuo."

Consultamos detalhadamente seu longo processo, arquivado no acervo da Inquisição de Lisboa, na Torre do Tombo, sob o número 6982.

Seu início data de 19 de julho de 1737, quando o bispo do Rio de Janeiro, D. Antônio de Guadalupe determina que o Arcediago da Sé, Padre José de Sousa Ribeiro que proceda a uma Devassa, contra um "índio cabouclo"[35] acusado de "ser mandingueiro e trazer uma carta de tocar. " Segundo consta em seu processo, este "caboclo de nação" morava na Fazenda de Salvador Corrêa de Macedo.

A primeira testemunha a ser ouvida no Sumário é o índio-caboclo Leonardo Francisco, feitor, que confirma que Miguel "é tido e havido notoriamente por mandingueiro e carrega a mandinga dentro de uma bolsa que traz a tiracolo e se jacta que no seu corpo não entra e nem há de entrar ferro, repetindo tais jactâncias perante alguns negros, e para as confirmar, pediu uma faca e pegando nela, deu com ela em toda a força nos seus próprios peitos com a ponta e quando ele testemunha esperava vê-lo cravado com a faca, ficou esta feita em pedaços, e ao dito caboclo sem lesão alguma!"

A segunda testemunha é o pardo Salvador Corrêa de Macedo, 30 anos, que vive de roças. Acrescentou que a tal bolsa de mandinga fica a tiracolo, debaixo do braço esquerdo, e que dentro dela "tem um papel da marca grande e bastante grosso, onde estavam pintadas cruzes, figuras, forcas, cobras, lagartos e várias letras e algumas delas vermelhas que dizia o dito carijó serem escritas com seu próprio sangue". Disse mais que o dito papel parecia "carta de marear"[36] e que Miguel dizia que servia "para resguardo e defesa de seu corpo".

Após estas duas confirmações, o suspeito mandingueiro é chamado perante a autoridade religiosa, oferecendo contudo dificuldade para ser preso, posto estar armado. Após ter sido neutralizado, começou por explicar por que usava dois nomes, Miguel Pestana e Domingos Pedroso: "com um e outro se apelidava, pois Miguel lhe foi posto na pia e Domingos na crisma", tentando assim livrar-se da acusação de dupla identidade.

Mandado lhe dar busca pelo corpo, foi-lhe achado na algibeira umas folhas de "papel imperial e no meio delas, um signo de Salomão escrito por todos os ângulos e circunferências em que se invocava o demônio, se lhe pedia auxílio, fortunas, lhe entregava a alma, e que seu gosto era que a porta do inferno estivesse para o tragar aberta e que por ela o empurrassem os demônios, e muitas mais traquinadas onde também se achavam pintadas forcas com enforcados, polés e demônios, puxando a outras pessoas e outras mais galantarias com letras vermelhas e tinta negra."

Este papel foi guardado pelo Visitador e o réu mandado preso para o aljube do Rio de Janeiro.

O infeliz índio Miguel passa 5 anos preso sem julgamento, até que em abril de 1742, por ordem do Tribunal da Inquisição, o Comissário do Santo Ofício, Padre José de Sousa Ribeiro de Araújo dá início ao sumário, ouvindo diversas testemunhas, ente elas, novamente, o mesmo pardo Salvador Correia de Macedo, agora apresentando-se como dono de fazenda e feitor, o qual contou que chegando à sua fazenda certa noite, viu que na senzala onde morava o réu, "estava com fogo aceso e com gente dentro e sentiu um grande fedor de bode, animal que não havia naquela fazenda. E entrando na senzala, sentiu ainda maior fedor e lá estava Miguel com a faca de ponta sobre um negro posto de gatinhas, em ação de lhe dar com ela e chamando-o pelo nome, "Miguel Pestana, o que é isto?" todos fugiram, e ele testemunha ficou espavorido com o que tinha visto e falando com Joana Cabocla, mulher de Miguel, disse que ele ensinava mandingas aos negros e que em outras ocasiões "passavam no meio da casa vacas, porcos e outros animais que com eles dançava e o mandingueiro subia por uma parede acima sem escada ou outro algum artifício para subir, e tudo isto fazia por arte diabólica, proibindo-a falar na Santíssima Trindade..."

Disse mais: que quando vinham viajantes das Mina, oferecia duas patacas de aposta caso ficasse ferido com a faca e como não aceitassem com medo de ser arte diabólica, assim mesmo ele fazia, sem cortar-se na barriga, braço, peito e então "se entortava a faca e fazendo esta diabrura com facas flamengas que se quebravam sem ter em si mais resguardo que a camisa de linhagem, de baixo da qual bem se via não tinha resguardo algum." Outra vez debruçou-se sobre uma espada "com tanto ímpeto furava a camisa e mostrava o corpo sem lesão alguma e pegou uma espingarda carregada e pondo-a com o couce no chão e a boca nas própria direção, e com o pé desfechava e disparando a espingarda, dava o tiro sem o ferir nem o queimar." Concluiu dizendo que o próprio réu segredara-lhe ter entregue o corpo, alma e sangue ao Diabo e tinha arrenegado a Santíssima Trindade.

Na avaliação do Comissário do citado Santo Ofício, as acusações pareciam verdadeiras e lembrava-se que de fato, havia inspecionado o réu quando da visita realizada cinco anos antes, vendo o tal papel cheio de coisas horrendas. Informa mais, que no aljube, Miguel desinquietava os mais presos com suas mandingas, razão pela qual fora espancado várias vezes, chegando a lhe quebrar os braços e cabeça, persistindo contudo em ensinar aos negros "que são o que ordinariamente tratam de mandingas e cartas de tocar".

Enviadas tais informações ao Tribunal de Lisboa, aos 24 de julho de 1743, por determinação da Mesa Inquisitorial tem início novas investigações na própria cadeia do Rio de Janeiro. Como se vê, verdade seja dita, o Santo Ofício antes de determinar o envio de um suposto réu para seus cárceres de Lisboa, mandava investigar diligentemente para ter alto grau de certeza que não se tratava de calúnia ou maquinação falsa contra o acusado.

O primeiro a ser ouvido no aljube é um preso espanhol, natural de Santa Fé de Castela: diz que Miguel é grande mentiroso, inventando às vezes ser natural de S.Paulo, informação negada por outro índio velho quando o visitou na grade do aljube. Que costuma fazer certo pó com corno moído e cascas de banana queimadas, vendendo-o às pessoas que vão procurá-lo na grade: diz que tais pós mágicos dão fortuna e valentia, garantindo aos negros e negras se serve também para amansarem seus senhores. Disse mais, que certa feita um homem branco queria mata-lo com arma de fogo pois havia dado dobra e meia[37] por uns pós para conseguir uma mulher, sem sucesso, inocentando-se o réu "que não os obrigava a lhe comprarem os ditos pós!" Na opinião desta testemunha, não lhe parecia que tivesse pacto com o demônio, embora faça cartas de tocar que são escritas por pessoas letradas dentro da enxovia, entre eles, Antônio José, preso também pelo Santo Ofício no ano anterior, e por Francisco de Sousa, que fugiu da cadeia; por Plácido, pardo, escravo de um tal Padre Coelho, senhor de engenho na Guachandiva. Aos quais mandava pintar nas cartas figuras de cruzes, martelos, açoites, orações medonhas e horrendas que faziam tremer as carnes "e ao ser repreendido pela testemunha, dizia que se não fizesse aquilo, não adquiria dinheiro com o que comprar o seu comer." Diz que era procurado por muitas pessoas e certa vez examinando seu rancho, encontrou dentro de uns panos velhos o rabo de cobra e uns pós vermelhos.

Outras testemunhas acrescentam mais detalhes: que o mandingueiro fazia seus pós mágicos com enxofre moído e que se embebedava frequentes vezes.

O "Comissário do Aljube" informa que o réu já estava ali preso de 6 para 7 anos e que muita gente vinha comprar suas cartas de tocar, especialmente ao escurecer, "das Ave-Marias em diante", certamente para evitar serem vistos num comércio ilícito: "negros, mulatos mas também mulheres brancas, que lhe davam dinheiro e muitas prendas de ouro". E que apesar de haver ronda nas grades, não tinha como impedir tal abuso, tendo não obstante, corrido com alguns compradores. Ouvira dizer que o índio mandingueiro tinha fugido de sua aldeia por ter dado algumas facadas em sua mulher, razão pela qual mudara de nome.

Aos 6 de agosto de 1746 é ouvida a própria mulher do mandingueiro, Angela Joana, índia da terra, natural da Aldeia de Araretiba, na Capitania do Espírito Santo, casada com o réu, ora moradora na Aldeia de São Pedro do Cabo Frio, com idade de 30 anos. Confirma que ele é mesmo natural de Araretiba, casado primeira vez com Isabel e depois de viuvo, segundo matrimônio com ela, Angela Joana, tendo ambos várias vezes fugido da aldeia por não quererem obedecer ao Padre Superior dos Jesuítas, andando pelo recôncavo até que pararam em Piedade de Inhomerim. Diz que seu nome verdadeiro é Miguel Pestana e que sempre teve por costume fazer cartas de tocar, e que certa feita o superior da Aldeia de Araretiba, Padre Antônio Vicoas, da Companhia de Jesus, mandou queimar uma dita carta. Que uma vez viu seu conteúdo quando a abriu para secar, causando grande enfado em seu marido, dizendo que por sua bisbilhotice, ficaria aleijado. Nega te-lo visto fazer as tais traquinadas quebrando facas no corpo, mas que sempre carregava consigo dois lenços brancos, repreendendo-o por ser mandingueiro.

Julgando haver indícios suficientes de que o índio Miguel era mesmo feiticeiro, aos 6 de abril de 1743 o Santo Ofício de Lisboa expede ordem de prisão.[38] O Comissário do Rio de Janeiro manda-o algemado para os Cárceres Secretos do Tribunal do Santo Ofício de Lisboa. Após quase dois meses de travessia, e aguardar outro tanto na prisão lisboeta , finalmente aos 17 de janeiro de 1744 Miguel Pestana faz sua confissão perante a autoridade inquisitorial. O frio do inverno europeu devia congelar o corpo debilitado deste infeliz índio, acusado de vender mandingas e pozinhos feitos com casca de banana queimada, além de protagonizar shows macabros de facas partidas.

Na Mesa inquisitorial declara “ser natural da aldeia de Nossa Senhora da Assunção de Reritiba, dando ao notário importante informação: a mesma "aldeia onde morreu e foi sepultado o Padre Anchieta”. Disse ser filho de Joaquim Ferreira, índio sem ofício. Que fora batizado pelo Padre Afonso Pestana.[39]

Conforme se lê na História da Companhia de Jesus no Brasil, no capítulo consagrado ao Espírito Santo, a Aldeia de Nossa Senhora da Assunção de Retiriba foi catequizada a partir de 1551, daí partindo várias missões que pacificaram outras tribos vizinhas. Era ocupada por índios Tupinambá, sendo "suavemente doirada pelo crepúsculo morte do Padre José de Anchieta, nela permanecendo uma média de 4 a 5 sacerdotes ininterruptamente ate a expulsão dos religiosos, em 1759. Em 1708 chegou a esta aldeia a imagem pintada do Beato Anchieta. À época em que aí viveu o índio Miguel, em 1739, os índios chegavam a 1087 almas, baixando para 900 em 1743.[40]

Diz que exercendo a função de Capitão do Mato na freguesia de Nossa Senhora da Piedade de Nomeri, no caminho das Minas, certa feita prendeu um negro que há muitos anos estava fugido, propriedade de um tal José de Santarém, e que fazendo-lhe uma busca, achou na algibeira do dito negro uma bolsa vermelha com um papel cheio de escritos, guardando-o para si. E que saindo a trabalhar fora dois dias, deixou a bolsa na véstia, na cama de dormir e de noite, sua mulher e os meninos “ouviram estrondos na casa, por modo de quem bulia com dinheiro ou quem quebrava louça”, mas não viu nada, achando serem ratos.

No noite seguinte, “estando ambos na casa, seria meia noite, acordou-o sua mulher para que ouvisse o mesmo que ouvira nas noites antecedentes e ouviu “menearem cadeias, quebrar pratos e se contar dinheiro”. Acenderam a luz e não viram nada, sem poder dormir o resto desta noite. No dia seguinte, escondeu a bolsa num oco de uma árvore distante um quarto de légua e nada mais sucedeu.

No dia seguinte, pegou a bolsa, meteu na algibeira e “entrando nalgumas vendas que ficavam nas estradas, nelas jogou com alguns passageiros e ganhou sempre, e assim sucedeu enquanto trouxe a dita bolsa, e de noite, ficou na senzala de um negro, mas acordando à meia noite com muita ânsia no coração que o obrigou a levantar-se e a caminhar pela casa. E chegando a um vale deserto e pouco distante da referida árvore, lhe apareceu um bode grande, negro e bem avezichado, o qual o impedia a continuar o caminho, saltando e atravessando a estrada, o que vendo ele confitente lhe assanhou uma cadela de fila que sempre o acompanhava e esta não quis filar ainda, pegando-lhe ele na coleira e medrosa se pôs atrás dele e fugiu com o que ele se intimidou muito e tirando de uma catana[41], saiu às cutiladas ao bode sem que nunca lhe pudesse chegar e nesta forma, o foi o bode levando até o pé da dita árvore em cujas raízes se escondeu, mas logo se tornou em figura de macaco, de grandeza de um gato também negro, o qual de cima da árvore o perseguiu, descendo por ela a baixo, chegando para cima para lhe não chegasse com a catana e depois de largo espaço que durou esta contenda, desapareceu o macaco, deixando-o muito cansado e na toca referida tornou a deixar a bolsa e foi para casa quase tonto, a onde chegou fora de horas com grande trabalho, de que sua mulher se admirou e o repreendeu e chegou tão cansado e fora de si que se deitou sobre a cama e nela esteve até três horas da tarde."

E durante o ano seguinte, continuou sua vida de carpinteiro e capitão do mato, sempre retirando a bolsa do oco quando lá passava, tendo muita sorte em tudo que fazia. Sua cadela que era companheira fiel, ficou tão medrosa da vista do bode que nunca mais o quis acompanhar por mais afagos diligências que para isto lhe fez. Conseguiu muitos favores: "dinheiro, cópula carnal com algumas mulheres, e a tudo concorria o Diabo que nunca o largava”, quase sempre na figura de macaco, dando-lhe muitos conselhos para que o não largasse e não rezasse e nem fizesse as obras cristãs.

Certa feita, noite, à meia noite, voltando para sua casa, viu um negro e perguntando quem era, disse que ”era o Capitão que o acompanhava e se assentou com ele”. E olhando para ele, viu uma figura de um homem muito grosso, bem reforçado, mas sem pernas e olhando-o bem , viu sua cara horrível, com boca mui grande, orelhas desmontadas e uma ponta na testa. E soprou-lhe a figura, os pés e cotovelos “e lhe infundiu um tal fogo que logo caiu por terra”. Algum tempo depois, acharam-no assim e o levaram para sua casa. “Tomando a si, acordou tão furioso que pegou na sua catana e com ela despedaçou o quanto achou em casa, e sua mulher e todos fugiram da casa para a rua e lhe fecharam a porta e se deu parte a um religioso de Santo Antônio e sabendo que estava possesso do demônio, lhe fez os exorcismos por virtude dos quais sossegou, sem poder comer por dois dias nem admitir companhia alguma. E na ocasião em que o demônio o soprou, ficou no corpo com um fétido de enxofre queimado tão grande, que só se extinguiu após os exorcismos.

Disse ter visto muitas aparições do Diabo por diferentes figuras: mais ordinariamente como macaco, ou com forma humana, pedindo-lhe que desse seu sangue e aí veria coisa nunca vistas, mas não deu. Que o macaco mandou que tirasse do pescoço as contas e bentinhos de Nossa Senhora do Carmo e o crucifixo, usando então a bolsa.

Certa vez, passou 4 dias no mato, sem comer nem beber e ao pé de uma serra da Boavista, viu um homem e uma moça, brancos e de muita formosura, e perguntando ao diabo quem eram, disse que eram seus camaradas e conversaram com o macaco enquanto se via uma grande casa que lhe prometeu ser sua.[42]

Após tão minuciosa e imaginativa confissão, aos 20 de fevereiro, portanto, pouco mais de um mês após sua primeira audiência, nosso caboclo capixaba é novamente examinado. Aí confessa que em sua bolsa de mandinga, usava dois corporais[43] e que certa noite, foi agredido por dois negros com estoque e tiro, sem atingi-lo graças à ter o corpo fechado por artimanha diabólica. Disse mais que o Diabo lhe aparecia também em figura de dois moleques pretos de pouco mais de um côvado, além das formas já citadas.

Incrédulos com tanta presepada, é indagado pelo Inquisidor se bebia vinho, ao que respondeu afirmativamente, "porém nunca até perder o juízo". Perguntaram-lhe se o motivo de sua cadela ter ficado assustada não se devia ao fato de ter recebido algumas cutiladas naquela fantástica luta contra o misterioso bode na noite escura, respondeu negativamente. É mandado de volta para sua cela, sendo-lhe recomendado que examinasse cuidadosamente sua consciência para apurar se não deixara de confessar algum detalhe de suas faltas.

Passa-se uma semana, e Miguel é chamado para um segundo exame: com medo do castigo, diz que sempre só reconheceu a Nosso Senhor como Deus e que recusou sempre dar o sangue ao Demônio, jamais tendo ensinado suas diabruras a outras pessoas. Como de praxe, mandam os Inquisidores que o réu dissesse as orações básicas que todo católico devia saber: a todas recita “muito bem”: Ave Maria, Padre Nosso, Salve Rainha, Credo. Só nos mandamentos é que vacilou, declarando que “não os sabia muito bem na língua portuguesa, por isto, disse que os sabia muito bem na língua de seus pais – recitando-os em seu idioma tão obscuro que não lhe percebeu palavra alguma." Um índio Tupinambá recitando na Sala de Audiências da Inquisição de Lisboa, em Tupi o Credo in unum Deum, provavelmente na mesma versão feita pelo atual Beato Anchieta em sua Gramática da Língua Brasília.

Em abril do mesmo ano, é questionado sobre algumas da denúncias que contra si constavam nos sumários feitos ainda no Brasil. Nega então aquela seção de mandingas em que teria andado de gatinhas na senzala, contestando igualmente ter vendido as tais bolsinhas com feitiços e patuás na época em que esteve preso no aljube do Rio de Janeiro. Informa porém que na cadeia conhecera a Francisco Silva Meireles, do Reino, morador no Rio de Janeiro, o qual já estivera preso na Inquisição e lhe ensinara algumas orações fortes, que as mandava escrever, vendendo-as a seguir. Certamente imaginou que tais orações, mesmo proibidas pelo Santo Ofício, constituíam delito menos grave do que os patuás e bolsas de mandinga.

Pressionado em outra seção, assume que certa feita, numa venda, chegara a arrenegar a Deus e a Santa Madre Igreja.

Após ter seu processo analisado pelos Inquisidores Francisco Mendes Trigoso, Joaquim Jansen Moller, Manuel Varejão Távora, Luiz José Silva Lobo e Diogo Lopes Pereira, recebe ordem de tormento, pois suas confissões eram diminutas se comparadas com as acusações que contra si constavam nos sumários. Pressionado pelo medo da tortura, acrescenta mais alguns detalhes ou que se esquecera, ou que propositadamente omitira, a fim de diminuir suas culpas. Diz que há 10 anos passados uma mulher semelhante à outra com quem havia se desonestado, de repente, transformou-se em macaco da cintura para baixo, da grandeza de um bezerro de dois anos, confirmando assim que era de fato o Diabo, o qual, pedindo mais uma vez seu sangue e que o adorasse como Deus, chupou-lhe o sangue com a boca, do pé esquerdo e da mão esquerda, sem que lhe ficasse ferida mais que nódoas negras. Confessa ainda ter visto numa visão uma pata enorme e uma casa cheia de armas, tendo nesta ocasião adorado o Diabo. E que no tempo em que teve pacto com o Demo e tinha-o por seu verdadeiro Deus, sempre dormia durante a celebração da santa missa, deixando de confessar-se durante todo aquele tempo – mas de presente só crê em Nosso Senhor Jesus Cristo!

Este é o momento de informar que diversas das visões demoníacas referidas pelo índio Miguel Pestana, foram igualmente percebidas seja por outros mandingueiros afro-brasileiros[44], seja por freiras e beatas no Brasil Colonial[45], fazendo portanto parte integrante do imaginário oficial da cristandade quando mesmo desde a Idade Média.[46]

Foi torturado aos 9 de junho de 1744, sendo levantado na polé até o teto da sala de tormentos, recebendo todos os "tratos" que a mesa inquisitorial considerou merecidos para arrancar-lhe mais alguma confissão, tendo como os demais réus, seus membros desconjuntados e sofrendo dores inenarráveis prolongadas semanas após a tortura.

Dois dias depois é concluído seu processo: foi condenado a ter sua sentença lida no Auto de Fé, portando carocha e sambenito de feiticeiro, sendo antes açoitado citra sanguinis effusionen,devendo abjurar de suas erronias, condenado a cárcere e hábito penitencial perpétuo e degredado por 5 anos para as galés del Rei, sendo-lhe proibido de entrar novamente na Freguesia de Nossa Senhora Piedade, para evitar escândalo e reincidência.

Seu auto de fé realizou-se aos 21 de junho de 1744, na Igreja de São Domingos, estando presentes El Rei D. João, D. José e os infantes D. Pedro e D. Antônio. No dia seguinte assinou o Termo de Segredo, prometendo não revelar nada do que falara, ouvira e vira quando viveu nos cárceres secretos do Santo ofício. A inquisição obrigava à lei do silêncio!

Consta que seu processo orçou em 5$015 réis, sendo um dos réus do Brasil que menos tempo passou nos cárceres do Tribunal do Rocio: de 17 de janeiro a 26 de junho de 1744, cinco meses e onze dias. Porém desde 1737 que andava preso no aljube do Rio de Janeiro, perfazendo por conseguinte, sete anos de detenção.

Miguel passa a festa de São João ainda no cárcere, sendo enviado para as galés no dia 26 de junho de 1744, ficando agrilhoado juntamente com outro forçado, certamente trabalhando nas obras de restauração das embarcações reais estacionadas nos estaleiros reais, nas imediações de Lisboa.[47]

Dois anos após sua condenação, aos 22 de março de 1746, a Mesa Inquisitorial recebe um ofício informando que o réu Miguel Pestana “fugira com o seu companheiro”. Para onde foi, qual o seu destino, como terminou seus dias, é um mistério. Trata-se de um dos poucos brasileiros que conseguiu esta façanha: escapar das garras do Santo Ofício. Talvez tenha contado com a adjutório de seu capitão maioral...


4- Familiares e Comissários do Santo Ofício

Não tendo sido estabelecido um tribunais do Santo Ofício na América Portuguesa, diferentemente do quer aconteceu com o Peru, México e Colômbia, no Brasil eram os Familiares e Comissários que funcionavam com pontas de lança do Tribunal Inquisitorial, denunciando, investigando, prendendo, inquirindo e enviando presos para Lisboa os réus cuja prisão tinha sido previamente determinada pelo Promotor do Santo Ofício.

Em todas as cidades capitais das Capitanias e em algumas das principais vilas brasileiras, sobretudo a partir dos meados do século XVII, existia via de regra um Comissário – sacerdote com reconhecida titulação acadêmica e importantes cargos eclesiásticos – além de um número variável de Familiares do Santo Ofício, leigos que funcionavam como uma espécie de milicianos a serviço dos familiares para diligências como investigação e prisão de suspeitos réus.

Segundo cálculos da Profa. Sônia Siqueira, devem ter existido no Brasil, nas duas principais capitanias nordestinas, do século XVII ao XIX, por volta de 80 Comissários, 60 Notários e Qualificadores e 1372 Familiares.[48] Em sua dissertação de mestrado, intitulada Em nome do Santo Ofício: Familiares da Inquisição Portuguesa no Brasil Colonial, Daniela Calainho, incluindo todas as capitanias, localizou um total de 1708 familiares atuando no Brasil, das quais, 401 na região do Rio de Janeiro – que na época incluía a Capitania e Comarca do Espírito Santo.[49]

Até o presente conseguimos localizar referência a três comissários e três familiares do Santo Ofício relacionados ao Espírito Santo – relação que somos quem primeiro reconhece estar longe do número total destes funcionários, muito embora até hoje nenhum historiador tenha a eles se referido.

A presença oficial da Inquisição nesta capitania começa em 1611, com um episódio a um tempo dramático e patético, envolvendo o padre castelhano Dom João de Membrine[50]. Bacharel em Cânones pela Universidade de Alcalá de Enares, 40 anos, clérigo de missa, segundo ele próprio informou, possuía um tio que era um dos principais membros da Companhia de Jesus da Andaluzia e Confessor da Imperatriz. Em seu processo consta a descrição de sua aparência física: "meã estatura, magro, moreno, com sotaina de damasco preto e um ferragonho[51] de tafetá preto com um hábito como de Aviz bordado em prata, chapéu preto de fraldas grandes, costumava usar chinelas. Após diversas estrepolias no Rio de Janeiro e Vitória, é preso aos 21 de setembro de 1611, acusado de ter extrapolado de seus poderes, criando Notário, Qualificador e Familiar do Santo Ofício. É nesta ocasião em que narra suas peripécias no Brasil – que desde 1580 fazia parte da Coroa Espanhola sob reinado de Felipe II. Disse ser cônego na Sé de Quito, no Vice-Reino do Equador, tendo exercido o cargo de Comissário do Santo Ofício e Visitador das naus no Rio de Janeiro, por determinação da Inquisição de Lisboa.

Segundo confessou, no ano do Senhor de 1602 saiu ele de sua terra e ocupando o posto de camareiro de D.Garcia de Lumegna e Mendoza, acompanhou este nobre em sua viagem para o Mexico, onde foi sacristão-mor daquela cidade. Após três anos na Nova Espanha, com a morte do Arcebispo, ele tornou-se capelão do Vice-Rei, Marques de Montes Claros. Passado um ano, navegou para a China, de lá retorna ao Peru, tornando-se Administrador e Capelão do Hospital.

Há seis anos visitou Lisboa e de lá viajou para o Brasil como Comissário do Santo Ofício no Rio de Janeiro. Que tão logo chegou a esta cidade, apresentou suas patentes e comissões ao Oficiais da Câmara e Vigário, e ao publicar no Rio de Janeiro os Editos da Fé, do costume, "logo foram rotos e feitos em pedaço", amotinando-se o povo porque era castelhano e não o quiseram receber, chegando a invadir a casa no campo onde se hospedava e o queriam apedrejar, tendo que fugir numa canoa para o Mosteiro de São Bento onde o foram buscar e o quiseram matar e "o tiraram do mosteiro com um crucifixo na mão dando-lhe muitas porradas e pancadas, dizendo que o queriam levar aos negros para que o comessem", e acudindo-o Marim de Sá com 30 soldados onde esteve em sua casa alguns dias curando-se das pancadas, albergando-se no Convento do Carmo.

Como no Rio de Janeiro o mar não estava para peixe, decidiu lançar sua rede na capitania vizinha. Chegou a Vitória, no Espírito Santo aos 13 de junho de 1612, criando como Notário do Santo Ofício a Rodrigo Machuqua , ao Padre Gaspar Pereira como Secretário, e Francisco Garcia como Familiar, realizando, conforme a praxe inquisitorial, sumários para comprovar a limpeza de sangue destes novos oficiais inquisitoriais.

Escorado em tão pomposas autoridades, publica ex abrupto um Edito de Fé, com selos e armas do Santo Ofício que usava para seus atos oficiais, afixando o documento nas portas de todas as igrejas, obrigando num prazo de 30 dias, que viessem todos denunciar, sob pena de multa de 50 cruzados para as obras pias e penas corporais e excomunhão, determinando que trouxessem perante si todos os livros, em qualquer língua que fossed, para serem examinados, assim como as imagens, relíquias e Agnus Dei. Mais ainda: que todos os recém-chegados nos navios deviam antes ter seus nomes vistos por ele.

Tamanha severidade representava flagrante e inaudito abuso de poder, posto não ter ordem expressa do Tribunal de Lisboa, para levar a cabo tal visitação.

No Edital afixado nas portas das igrejas de Vitória - Nossa Senhora da Conceição e da Penha, dos conventos de São Francisco, Nossa Senhora do Carmo e de São Maurício da Companhia de Jesus, constava uma lista de 82 desvios pertencentes ao conhecimento do Santo Ofício, sobretudo relativos à doutrina sobre à Santíssima Trindade, Credo, transubstanciação, sacramentos, bigamia, sacerdotes casados, judaísmo, livros proibidos, pecado nefando, solicitação ad turpia, incesto, encantamentos, feitiços, adivinhações. Havia um quesito que demonstrava quando menos certa compaixão com os mais oprimidos: "se alguma pessoa matou escravos seu ou alheio em prisões ou dando alguns tormentos pelo qual morreu arrenegado". Inquiria-se se haviam negociado pau-brasil com estrangeiros, divulgando-se a lista dos livros heréticos, obrigando-se a quem os possuísse, que viessem apresentá-lo perante o Comissário.

Ou D.João de Membrine possuía o dom natural da provocação, ou seus procedimentos eram tão arbitrários e extravagantes, ou ainda, o sentimento anti-castelhano entre os luso-brasileiros levava-os a reagirem contra o arbítrio dos comissários espanhóis, o certo é que também no Espírito Santo sua presença foi conturbada, tanto que excomungou aos superiores e religiosos do Convento de São Francisco e do Colégio dos |Jesuítas, em represália por não terem marcado presença na abertura do Edital da Graça.

Parece que de fato, o Comissário castelhano não tinha limites em sua arrogância e autoritarismo: a Câmara do Rio de Janeiro enviou representação ao Santo Ofício de Lisboa, datada de 6 de setembro de 1611, onde denuncia que D. João de Membrine provocou graves desinquietações no meio do povo, tanto que na caravela em que aportou ao Brasil, dera puxavões em uns frades franciscanos, excomungando três deles e proibindo aos marinheiros e passageiros que lhes dirigissem a palavra. No Rio de Janeiro causou consternação ente os moradores locais, ao proclamar que "em cada três casas, havia de fazer um judeu!"

Após ter permanecido um ano e meio no Brasil, sofrendo vexações tanto no Rio de Janeiro como em Vitória, deliberou retornar a Madri, passando entrementes por Pernambuco e Bahia, desembarcando finalmente no porto de Lisboa.

Na capital do Reino, foi denunciado primeiro pelo licenciado Constantino Botelho, filho de um nobre, morador perto do Convento da Graça, em Lisboa, o qual disse que a 22 de setembro de 1617 D.João de Membrine chegou à sua casa declarando que um seu ex-criado disser-lhe que em Madri, na casa deste nobre se reuniam muitos fanchonos importantes, um Bispo vizinho, o escrevente das terra da Rainha, D. Luiz Coutinho e que trazia a denunciação mas que dele dependia "botar terra naquelas coisas, o que era bom não levantar poeira".

O próprio D.Luiz Coutinho também o denuncia um anos depois: diz que 18, que em Madri D.João dissera que "os fidalgos portugueses o favoreciam muito e lhe faziam muitas mercês porque lhes sabia seus segredos" e como ele estava com medo de ter cometido o nefando com seu criado Rodrigues, o réu disse-lhe que lhe desse algumas jóias e dinheiro que retiraria a comissão. Corajoso e desconfiado, este nobre disse-lhe: "vamos ao Inquisidor Geral!" e o chantagista se escapou.

Preso no cárcere da penitência, aos 25 de fevereiro de 1619 enquanto aguardava ser removido para os cárceres secretos do Rocio, tentou saltar da janela mas ficou entalado nas grades sem poder nem fugir nem voltar para dentro. Desesperado, tentou enforcar-se com uma corda nas grades, sem sucesso.

Ao ser inquirido, disse julgar que os comissário ultramarinos tinham mais poderes, inclusive para criar familiares, como fez três vezes no Espírito Santo, nomeando a um clérigo e dois leigos.

Aos 9 de julho de 1619 é promulgada sua pena: em pé, descoberta a cabeça, na sala do Santo Ofício, ouviu a sentença e cópia foi enviada a Toledo, Rio de Janeiro e Vitória, para ser lida no púlpito da igreja principal, numa missa de domingo, perante toda a população, ficando inabilitado para exercer outros cargos na Inquisição, sendo degredado por seis anos para a África. Seus vestidos foram vendidos por 15$000 para pagar sua alimentação e viagem. O que aconteceu a este aventureiro clérigo aventureiro e abusado, nada informam os documentos. Seus desatinos devem ter deixado os capixabas em polvorosa e sua fama permanecido por muitos anos na memória oral da população.[52]

Depois deste incidente inquisitorial, salvo erro, só em 1749 que novamente o Espírito Santo vai aparecer na documentação relativa à administração do Santo Ofício. Neste ano Frei Bernardo de Vasconcelos envia a Lisboa carta se candidatando ao cargo de Comissário.

Natural de Vitória, era morador no Convento do Carmo do Rio de Janeiro. Doutor e lente jubilado em Teologia e Filosofia no convento de São Paulo, seu pai era natural de Viseu e a mãe, assim como seus avós maternos, todos eram capixabas.

Entrou com pedido de Comissaria em 1749, sendo realizadas diligências no Rio de Janeiro e Vitória pelo Comissário Frei Paulo do Nascimento. Consta em seu processo que tinha dois tios que foram provinciais do Carmo, Frei Francisco Pais e Frei Marcelino. Consta igualmente que estivera uma temporada em Lisboa no Convento de Santa Marta. Aos 13 de dezembro de 1754 recebe sua nomeação, tendo gastado 27$855 nas diligências. Salvo erro, é o primeiro filho desta Capitania a fazer parte oficial da Inquisição, muito embora tenha atuado notadamente no Rio de Janeiro.[53]

Em 1758 é a vez do Vigário de Nossa Senhora da Conceição de Guarapari receber sua provisão como Comissário do Santo Ofício no Espírito Santo. Trata-se do Padre Antonio Esteves Ribeiro, natural de Salvador de Pademe, termo de Valadares, Bispado de Braga, filho de Domingos Esteves de Ribeiro e de Angela Alvares. Seu processo encontra-se a espera que pesquisadores locais divulguem mais detalhes sobre este que provavelmente foi o primeiro sacerdote a exercer o comissariado no Espírito Santo.[54]

O último oficial da Inquisição a atuar nesta Capitania foi o Padre Francisco dos Santos Pinto, que em 22 de novembro de 1803 recebeu a provisão do Notário de Santo Ofício. Era Vigário da Vara da Vila de Vitória, natural e morador nesta mesma localidade. Filho do Capitão João Ramos dos Santos e Dona Catarina Pinto. Teve como avós paternos Manoel Ramos e Isabel de Sousa e do lado materno, o Tenente José Pinto Lisboa e Maria L. Alvarenga.[55]

Além destes três comissários e um notário, temos referência a quando menos dois Familiares do Santo Ofício com atuação no Espírito Santo.

Aos 26 de setembro de 1774, José Pedro Rangel envia seu requerimento ao Tribunal da Inquisição de Lisboa, solicitando a graça de ser nomeado Familiar do Santo Ofício, depositando, como era de praxe, o valor de 7$000 para as diligências visando a comprovação de sua limpeza de sangue e qualificação para desempenhar tão importante e cobiçada função na hierarquia inquisitorial.[56]

Era natural de Frexal, batisado em Nossa Senhora da Puriricação de Bucelas, termo de Lisboa, então morador na vila de Nossa Senhora da Vitória do Espírito Santo.

Seus pais foram Pedro dos Reis, de Lisboa e Antônia Joaquina, de Miranda, tendo como avós paternos Antônio Lourenço e Vitória Francisca, do Funxal. Seus avós maternos eram ambos naturais de Lisboa: José Cardoso Guedes e Maria da Encarnação.

Um ano após a entrada de sua documentação, têm início as inquirições nas diferentes freguesias de Lisboa onde viveram seus antepassados. O processo é longo e volumoso, constando mais de 70 folhas de diligências. Nenhuma inquirição é realizada no Brasil, demostrando que o candidato mantinha maiores vinculações com o Reino do que com a colônia.

O custo total do processo foi de 19$860, concluindo favoravelmente que José Pedro Rangel não tinha indícios de ter sangue impuro de judeu ou outra raça infecta e que “vive com asseio, dos lucros que tira de seu negócio de Capitão”, recebendo sua Carta e venera de Familiar do Santo Ofício aos 20 de março de 1781 – sete anos após sua propositura inicial. Assinam como responsáveis pelo seu processo os inquisidores Antônio Venâncio de Larre e Alexandre Jansen Moller – este útlimo, coincidentemente, o mesmo que em 1744 havia sentenciado a degredo o índio Miguel Pestana.

Em 1773 há notícia que Gonçalo Pereira Porto, negociante, solteiro, natural e morador no Espírito Santo, Bispado do Rio de Janeiro, teve igualmente sua carta de familiar aprovada pelo Santo Ofício.[57]


À guisa de conclusão

Analisando estes 51 naturais ou moradores do Espírito Santo referidos na documentação inquisitorial, incluindo 39 cristãos-novos, 2 sodomitas e respectivamente um caso de bigamia, feitiçaria, solicitação, heresia, além de 3 Comissários, 2 Familiares e um notário do Santo Ofício, podemos perceber algumas tendências que dão o perfil da presença inquisitorial nesta capitania, a saber:

1. como nas demais partes do Brasil e do Reino, os cristãos-novos são o principal bode expiatório da Inquisição, representando mais de 80% no cômputo geral das vítimas da Inquisição Portuguesa

2. seguindo a mesma cronologia observada na instituição inquisitorial como um todo, o século XVII representa o período de maior repressão deste tribunal da fé no Espírito Santo, mantendo sua ação persecutória no primeiro quartel do século XVIII

3. todos os crimes da alçada do Santo Ofício fazem-se presentes nesta Capitania, diferentemente de outras capitanias, sobetudo do Nordeste, onde a presença de Cristãos Novos foi insignificante

4. tratando-se de região pobre e pouco destacada politicamente no cenário colonial, muitos dos réus não passavam de passageiros ou moradores temporários no Espírito Santo, ou então capixabas residentes em outras capitanias

5. em certas épocas, a Capitania do Espírito Santo representou uma espécie de área de refúgio para fugitivos da justiça inquisitorial, notadamente de trânsfugas procedentes do Rio de Janeiro

6. a presença inquisitorial no Espírito Santo reproduz, mutatis mutandis, o mesmo padrão das capitanias pequenas: poucos e intermitentes oficiais do Santo Ofício, raríssima presença de Visitadores, algum episódio envolvendo abuso de autoridade de comissário inquisitorial

7. embora tenha sido relativamente branda a repressão do Santo Ofício no Espírito Santo, certamente o espectro da Santa Inquisição dominava o imaginário popular, inibindo palavras e ações que pusessem em cheque a hegemonia deste "monstrum horribilem".


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[1] Conferência apresentada no III Encontro Regional da Associação Nacional de História., UFES, Vitória, 5-12-2000. Luiz Mott é Professor Titular do Departamento de Antropologia da UFBa. -luizmott@ufba.br- [Voltar]


[2] Varnhagen, Revista do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro, tomo 7, 1845, n.25, p.54-86[Voltar]

[3] Rocha, Levy. De Vasco Coutinho aos Contemporâneos. Rio de Janeiro, Revista Continente Editorial, 1977.[Voltar]

[4] José Gonçalves Salvador. Cristãos-Novos: Povoamento e Conquista do Solo Brasileiro, São Paulo, Pioneira, 1976; Cristãos-Novos: Povoamento e Conquista do Solo Brasileiro. Vitória, Secretaria de Produção e Difusão Cultura, UFES, DEC, 1994.[Voltar]
[5] Bethencourt, Francisco. História das Inquisições. Portugal, Espanha e Itália. Lisboa, Temas e Debates, 1996[Voltar]
[6] Abreu, Capistrano. Primeira Visitação do Santo Ofício às Partes do Brasil Rio de Janeiro, Editora F. Briguiet, 1935, p.67[Voltar]
[7] Abreu, Capistrano. Op.cit., 1935, p.77[Voltar]
[8] Cartas de Anchieta, Anais da Biblioteca Nacional, vol.19, 1897, 1.c, 68-69, apud Capistrano, op.cit. fl. VI[Voltar]
[9] Arquivo Nacional da Torre do Tombo, Inquisição de Lisboa, Processo 12208, apud Siqueira, Sônia. A Inquisição Por­tuguesa e a Sociedade Colonial. São Paulo, Editora Ática, 1978, p.396. (doravante abreviado: ANTT, IL, Proc.)[Voltar]
[10] Novinsky, Anita. Cristãos Novos na Bahia. São Paulo, Editora Perspectiva, 1972; Salvador, José Gonçalves. Os Cristãos-Novos: Povoamento e Conquista do Solo Brasileiro (1530-1680). São Paulo, Editora Pioneira, 1976.[Voltar]
[11] Salvador, José Gonçalves. A Capitania do Espírito Santo e seus Engenhos de Açúcar . (1535-1700). A presença dos cristãos-novos. Vitória, UFES/DEC, 1994[Voltar]
[12]ANTT, IL, Proc.117.815, apud Salvador, 1976, op.cit.[Voltar]
[13] ANTT, IL, Caderno do Promotor n.60, apud Salvador, 1976, op.cit.[Voltar]
[14] ANTT, IL, Proc. 7394, apud Salvador, 1976, op.cit.[Voltar]
[15] Espírito Santo: Documentos administrativos coloniais. Vitória, Governo do Estado do Espírito Santo, SEP, Fundação Jones dos Santos Neves, vol.2, 1979, p.41 e ss.[Voltar]

[16] Salvador, 1994, op.cit., p.35[Voltar]
[17] Novinsky, Anita. Inquisição: Rol de Culpados. Fontes para a História do Brasil, Século XVIII. Rio de Janeiro, Expressão e Cultura, 1992[Voltar]
[18] Novinsky, 1992, op.cit. p.XVIII[Voltar]

[19] Moraes, Rubens Borba. Bibliografia Brasileira do Período Colonial. São Paulo, IEB/USP 1969[Voltar]
[20] Varnhagen, 1845, op.cit. p.62[Voltar]

[21] Rocha, Levy. De Vasco Coutinho aos Contemporâneos. Rio de Janeiro, Revista Continente Editorial, 1977, "A Inquisição no Espírito Santo", p.35[Voltar]
[22] ANTT, IL, Proc. 7978, apud Salvador, 1976, op.cit.[Voltar]
[23] Mendonça, J.L. & Moreira, A.J. História dos principais atos e procedimentos da Inquisição em Portugal. Lisboa, Imprensa Nacional, 1980.[Voltar]

[24] ANTT, IL, Caderno do Promotor, n.126, fl.471, 10-1-1758[Voltar]
[25] ANTT, IL, Proc. 10191. Agradeço ao Dr.Ronaldo Vainfas, da UFRJ, a gentil indicação deste documento.[Voltar]

[26] Vainfas, Ronaldo. Trópico dos Pecados. Moral, Sexualidade e Inquisição no Brasil. RJ, Editora Campus, l989.[Voltar]

[27] ANTT, IL, Proc. 4769; 4230; Inquisição de Évora, Proc. 4995; Mott, Luiz. O Sexo Proibido: Virgens, Gays e Escravos nas Garras da Inquisição. Campinas, Editora Papirus, 1989[Voltar]
[28] Damiani, São Pedro - Book of Gomorrah. Whaterloo, Wilfrid Laurier University Press, (1982).[Voltar]
[29] A.A. Aguiar - Evolução da pederastia e do lesbianismo na Europa. Separata do Arquivo da Universidade de Lisboa, vol. XI, 1926, p. 519.[Voltar]

[30] Mott, Luiz. 1989, op.cit.[Voltar]
[31] Mott, Luiz. “Pagode português: a subcultura gay em Portugal nos tempos inquisitoriais”, Ciência e Cultura, fevereiro l988, 40(2)120-139[Voltar]
[32] Espírito Santo: Documentos administrativos coloniais. Vitória, Governo do Estado do Espírito Santo, SEP, Fundação Jones dos Santos Neves, vol.2, 1979, p.16[Voltar]
[33] ANTT, IL, Proc. 3890, 1740[Voltar]
[34] As custas deste processo atingiram 17$809 réis.[Voltar]
[35] Provavelmente, nesta região, naquela época, o termo "índio caboclo" ou simplesmente "caboclo" referia-se aos indígenas já batizados e "civilizados", embora o próprio réu deste processo é também referido como "carijó".[Voltar]
[36] "Carta de marear": carta destinada à navegação marítima, que se caracterizava por mostrar os principais acidentes da costa e levar desenhadas em vários pontos rosas-dos-ventos, de cujos centros partiam retas em todas as direções.[Voltar]
[37] Antiga moeda colonial.[Voltar]

[38] Até este momento, os custos processuais devidos às diligências efetuadas pelos Comissários do Santo Oficio do Rio de Janeiro atingiram, na primeira devassa, $340 réis e na segunda, $780,sendo $400 devido ao Comissário e $280 ao escrivão.[Voltar]
[39] Segundo informa o Padre Serafim Leite, o Padre Afonso Pestana, natural de Serpa, participou da 56a Expedição ao Brasil, saindo de Lisboa em fevereiro de 1692. Leite, Padre Serafim. História da Companhia de Jesus no Brasil. Rio de Janeiro, Instituto Nacional do Livro, 1945, tomo VI, p.600[Voltar]

[40] Leite, 1945, op.cit. p.145[Voltar]
[41] "Catana" [Do jap. katana.] . Luso-asiat. Espécie de alfanje; pequena espada curva.[Voltar]
[42] Ainda em 1816, o Príncipe Maximiliano, quando viajou pelo Espírito Santo, na selvas de Araçatiba disse que "por toda parte papagaios esvoaçavam com alarido e a vozearia dos macacos saí-açu se ouvida em todo redor..." Segundo escrevia numa carta um missionário jesuíta, nos primeiros anos do século XVII, os bugios faziam parte íntima dos indígenas, tanto que entre os Gaimorés, "as mulheres dão de mamar e criam os bugios ao peito, igualmente com os próprios filhos, dos quais ficam sendo 'irmãos colaços'." Leite, 1945, op.cit., p.157 e 163.[Voltar]
[43] "Corporal": toalinha feita de linho, que o celebrante coloca sob o cálice, como receptáculo de partículas da hóstia ou do vinho consagrados que após a transubstanciação se tornam corpo e sangue de Cristo. Era um ingrediente muitíssimo valorizado na confecção de patuás e bolsas de mandinga.[Voltar]
[44] Mott, Luiz. "A vida mística e erótica do escravo José Francisco Pereira", Tempo Brasileiro, RJ, nº92/93, jan.jun.1988:85-104[Voltar]
[45] Mott, Luiz. Rosa Egipcíaca: Uma Santa Africana no Brasil. Editora Bertrand, Rio de Janeiro, l993; “Santos e santas no Brasil Colonial”, Varia Historia, Revista da Universidade Federal de Minas Gerais, vo.13, junho l994, p.44-66[Voltar]
[46] Mello e Souza, Laura. Inferno Atlântico. Demonologia e colonização, século XVI-XVIII. São Paulo, Companhia das Letras, l993.[Voltar]
[47] Pouco tempo após sua sentença, aos 26 de julho de 1744, na sua mesma aldeia, em Reretiba, houve grande perturbação da tranqüilidade pública: "um bando de índios, dando tiros, entrou na igreja com soberba , enquanto os índios da aldeia estavam rezando o terço, e pondo-se de fronte do Padre Superior, disseram ser os novos oficiais providos pelo Ouvidor e que os jesuítas saíssem da aldeiam. Os padres há mais de cem anos administravam a aldeiam e partiram numa sumaca. Outra aldeias também se revoltaram: Reis Magos, Cabo Frio. Os índios administrados pelos jesuítas sempre viveram em temor e obediência. Teme-se que voltem a ser gentio bárbaro como antes e surja uma guerra ainda mais arriscada do que foi a dos Palmares em Pernambuco. O Governador do RJ determina que se faça sumário e que sejam castigados. O Capitão dos índios do Espírito Santo é Domingos de Morais Navarro." (Arquivo Histórico Ultramarino, Espírito Santo, Cx.2)[Voltar]
[48] Siqueira, Sônia. A Inquisição Por­tuguesa e a Sociedade Colonial. São Paulo, Editora Ática 1978, p.160 e ss.[Voltar]
[49] Calainho, Daniela. Em nome do Santo Ofício: Familiares da Inquisição Portuguesa no Brasil Colonial, Dissertação de Mestrado, UFRJ, Rio de Janeiro, 1992[Voltar]

[50] ANTT, IL, Proc. 12396[Voltar]
[51] "Ferragoulo": do árabe feriyûl, pelo it. farraiuolo, gibão ou gabão de mangas curtas, com cabeção e capuz.[Voltar]
[52] Há registro de um outro sacerdote estrangeiro que desassossegou sobremaneira esta capitania: em 1755, Frei Francisco Antônio de Novi (Gênova), tinha sido enviado por seu superior em substituição de outro frade capuchinho que ficara louco. Sucede porém que também este é acometido do mesmo mal: "loucura benigna com perda de memória e sinais de alienação." A conselho médico embarcou em direção a Lisboa, mas parou no Espírito Santo, pregando e missionando por conta própria, onde obrou muitos inconvenientes. Foi finalmente preso em Porto Seguro e enviado para a Europa onde morreu em 1758. Primiero, Frei Fidelis. Capuchinhos em Terras de Santa Cruz. São Paulo, Livraria Martins, s/d. , p.214.[Voltar]
[53] ANTT, IL, M.13, n.491[Voltar]
[54] ANTT, IL, M.129, n.2168[Voltar]
[55] ANTT, IL, M.131, n.1975[Voltar]
[56] ANTT, IL, Maço 143, n.2824[Voltar]
[57] Agradeço à Dra. Daniela Calainho a indicação deste documento.[Voltar]

Um comentário:

  1. Apesar do textão parece ser bem completo e ter várias fontes históricas... favoritei pra ler com mais calma depois pois minha bateria está acabando. Obrigado. Bênçãos.

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