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sábado, 2 de janeiro de 2021

Identidade e Natureza

Paganismo no Brasil: 



Começo afirmando categoricamente que a espiritualidade é algo único, cada um tem a sua, não há fórmulas prontas para trilhar o caminho da espiritualidade, não é mesmo?
No Paganismo então, isso é expresso muito abertamente. Aliás, o Paganismo é um caminho espiritual que oferece uma certa liberdade: você pratica solitariamente, ou em grupo; você está numa relação de discípulo-mestre ou você é auto-didata; você presta homenagem aos deuses do panteão egípcio ou você acende uma vela para Dionísio aqui e outra para Shiva ali, etc.; você faz rituais seguindo a roda do hemisfério Sul, Norte ou ainda pode misturar as duas; você pode ter diversas versões do mesmo fundamento mágico... enfim, são muitas coisas.
 
Acho que isso é esperável tratando-se de uma religião que não é UMA religião só e sim muitas, variando no tempo e no espaço, que não possui uma organização vertical para ditar dogmas, e é tão antiga quanto a humanidade, além de ter sofrido uma série de distorções e censuras ao longo do tempo, como a que a santíssima inquisição causou.

Mas peraí! Isso não é motivo para passar por cima de certos fundamentos! Ou pelo menos deveríamos ficar mais atentos a eles e refletir sobre nossas concepções e práticas. Uma das preciosas vantagens dessa "liberdade de crença" dentro do Paganismo é que não precisamos ser adestrados a acreditar para sermos aceitos, nós podemos refletir e aceitar de coração aberto.
Então vamos refletir sobre duas questões que já dão o que falar:

Uma delas é a velha e polêmica "seguir a roda do norte, a roda do sul, ou roda mista?". Ok, vamos voltar a um fundamento do Paganismo: é uma religião de adoração/ celebração dos ciclos da natureza. Esta é uma das características básicas de qualquer vertente pagã. E que natureza é esta? Para mim está obvio que esta natureza é o chão que você pisa, é a água que você bebe, as frutas que te alimentam, o ar que é brisa ou ventania, é o sol ou a chuva que você toma... ou seja, é a natureza que está aqui, no meio ambiente em que você vive, é sentir mais frio no solstício de inverno, é sentir as fogueiras de "Beltane" no desenrolar da Primavera...
Logo, não vejo sentido comemorar calor/ expansão enquanto a terra está fria e em recolhimento, em nome de uma suposta "egrégora". Não esqueçamos que somos nós humanos que criamos e REcriamos egrégoras, muito mais poderosas são as energias que emanam da natureza!

Outra polêmica ainda mais delicada e subjetiva é da identidade no paganismo. Aliás, não só é complicado falar sobre isso por ser uma questão subjetiva espiritual, mas também até certo ponto política. Mas o detalhamento da questão política fica para outro post...

O que mais vejo por aí são pagãos claramente de origem racial negra e/ou ameríndia identificando-se como "pagão celta"/ "pagão nórdico" / "pagão etrusco", -tudo- menos um paganismo com bases africanas ou ameríndias. Ora, nada contra uma pessoa afro-descendente se identificar e prestar homenagens à deusa celta Brigit ao invés da deusa africana Iemanjá, por exemplo! Acho isso perfeitamente cabível, já que a espiritualidade é muito pessoal.

Porém, observemos um fundamento do Paganismo: é uma religião de honra aos ancestrais.
  • Os ancestrais são seus entes familiares que já se foram e que fundaram sua família; 
  • Os ancestrais são os Deuses da(s) cultura(s) que deu/ deram origem a você. 
  • Os ancestrais são os Antigos que habitaram esta terra antes de nós, independente de termos uma ligação cultural ou espiritual com eles ou não. 


Visto isso, mesmo que um pagão não honre todos seus ancestrais, ele lhes deve no mínimo consideração. [Consideração abrange uma série de posturas, reflita leitor.] Penso que seja um paradoxo [num exemplo bem ilustrativo] um pagão que mora na terra Brasilis, sabendo que tem uma origem mestiça, viver num suposto mundo "nórdico", sonhando em ser viking nas geladas florestas coníferas, empunhando uma bandeira da Noruega, tomando hidromel no chifre em honra a Odin, sem sequer lembrar que seu bisavô era índio e reverenciava Bep Kororoti; que sua pele é parda e seu cabelo é crespo; que sua língua-mãe é o português; que é dezembro e que o Sol está queimando como fogo; que no inverno a maioria das árvores a sua volta deram outros sinais em vez de queda de folhas; que aqui nas matas tem caipora e tem caboclo...

A questão aqui não é que "se nasceu no Brasil tem que acender vela pra caboclo..." de forma nenhuma, ninguém precisaria deixar de lado sua admiração e afinidade com a cultura e religião de outras terras, mas, tantas riquezas pessoais e locais que poderiam ser acrescentadas a essa afinidade espiritual com terras distantes, são ignoradas e muitas vezes, pasmem, desrespeitadas!

Para que tentar ser "o outro", ser algo que você já nasceu não sendo, se você pode ser você mesmo? É no mínimo um paradoxo, para não dizer uma farsa.

Como pagãos, devemos sim, respeitar os ancestrais da terra, no mínimo honrando sua memória ao fazermos rituais ou oferendas.

Quem vos escreve é Falcão Marrom: simpatizante da magia rúnica; devota da deusa nórdica Freyja; com ancestralidade marcadamente ameríndia tupi e comprovadamente hispano-lusitana; admiradora das religiões de raiz africana e bastante afim com a energia do orixá Iemanjá; quando precisa canta mantras em gratidão ou prece a deusa hindu Saraswati e quando cabe, usa seu cachimbo xamânico em rituais. E etc., cada coisa no seu tempo-espaço apropriado.

Não me sinto menos pagã por essa diversidade, aliás me sinto mais pagã do que nunca, alinhando-me e conhecendo os ciclos da natureza que me nutre e reverenciando a minha ancestralidade e honrando os ancestrais donos da terra.

~~Bons Ventos~~


Autoria: Lu Falcoa

 
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segunda-feira, 31 de agosto de 2020

A fé e o fogo






Durante quase 700 anos, a Igreja e Estado se uniram numa prévia do totalitarismo

Por Eduardo Szklarz

Ainda era madrugada quando uma multidão tomou conta da Plaza del Volador, na Cidade do México, naquele 11 de abril de 1649. Muita gente tinha viajado dias a fio para garantir um dos 16 mil assentos perto do palco – uma gigantesca plataforma de 860 metros quadrados adornada com figuras de crianças tocando trombetas. Depois de um mês de preparativos, chegara o dia do auto-de-fé, a representação terrena do Dia do Juízo. A grande atração da festa eram 13 prisioneiros acusados de professar o judaísmo em segredo. Eles já haviam sido perdoados uma vez, mas reincidiram no crime. Os inquisidores os chamavam de “relaxados ao braço secular” – ou seja, saíam da responsabilidade da Igreja para serem mortos pelas autoridades do governo.
Ao amanhecer, a procissão com os acusados deixou a sede do Santo Ofício em direção ao palco para a celebração da missa. No começo da fila, 57 bonecos (as “efígies”), que representavam hereges fugidos ou já mortos, eram carregados. Depois iam dezenas de prisioneiros “reconciliados”, que teriam direito de viver desde que não voltassem a cometer heresias. Atrás deles, os 13 condenados à morte, segurando uma cruz e vestindo um chapéu em forma de cone (chamado coroza) e o sambenito (túnica com desenhos do demônio). Os inquisidores, a cavalo, vinham por último na fila do cortejo, seguidos por uma mula enfeitada com sinos de ouro e prata, que carregava um baú com os relatórios dos processos e as sentenças dos acusados.
Depois da missa, os relaxados ouviram sua sentença de morte no palco. Quase todos garantiram ser bons cristãos e pediram misericórdia. Apenas um, Tomás Treviño de Sobremonte, admitiu que era judeu e não implorou perdão. Por isso, foi queimado vivo. Os outros tiveram um destino mais piedoso: o garrote – e só depois foram jogados, já mortos, na fogueira. Os bonecos também arderam nas chamas. Como os hereges que eles representavam não estavam presentes, esse ritual era chamado de “queima em efígie” e, na prática, servia para encher de vergonha seus parentes e descendentes. Já os reconciliados receberam penas “leves”, como açoites, torturas e confisco de bens. A festança varou a noite, com a plateia alvoroçada.
O auto-de-fé de 1649 foi talvez o maior já realizado nas Américas. Mas hoje os historiadores sabem que espetáculos assim eram apenas a ponta do iceberg do que realmente foi a Inquisição. Agindo em nome de Deus, mas movida por interesses políticos e econômicos, ela espalhou o medo e a discriminação ao longo de quase sete séculos. Os inquisidores e seus representantes agiram na Europa, Ásia e América, lugares tão variados como as vítimas que perseguiram: judeus, muçulmanos, hindus, protestantes, bruxas, bígamos, sodomitas ou quem quer que cometesse o crime de ser ou pensar diferente.
Origens medievais
Os historiadores fazem distinção entre a Inquisição medieval (ou papal), que vigorou na França, Itália e outros países europeus a partir do século 13, e a Inquisição moderna, que alcançou seu apogeu na península Ibérica entre os séculos 15 e 18. “Não há uma data certa do início da Inquisição medieval. Ela foi fruto de uma longa evolução na qual a Igreja se sentiu ameaçada em seu poder”, diz a historiadora Anita Novinsky, autora de Inquisição. “Os questionamentos sobre a verdade absoluta do catolicismo aumentaram a partir do século 13, e os indivíduos que partilhavam dessas idéias eram chamados de hereges.”
O termo “heresia” vem do grego hairetikis, que significa “aquele que escolhe”. De fato, na Grécia antiga a heresia era apenas uma escolha do que a pessoa achava melhor para si, sem qualquer conotação religiosa. Na Idade Média, porém, a Igreja expandiu esse conceito de tal forma que a heresia passou a abranger todas as opiniões contrárias aos dogmas católicos. O combate aos hereges começou a tomar forma com um tratado escrito no século 12 pelo abade Pedro, o Venerável, que chefiava a abadia de Cluny, na região francesa da Borgonha. Ele afirmava que, para eliminar a heresia do seio da Igreja Católica, que chamava de “Corpo de Cristo”, era necessária uma purgação, composta de quatro fases: investigatio (investigação), discussio (discussão), inventio (achado) e defensio (defesa). Aquele era o passo-a-passo da futura Inquisição. “Desse modo, o tratamento aplicado à infecção no Corpo de Cristo começava com pesquisas [daí o termo ‘inquisição’] que os bispos e seus representantes realizavam antes da criação de tribunais especializados”, diz o historiador britânico John Edwards, da Universidade de Oxford. ⇨


Confissão forçada
Principais métodos de tortura


► A Roda
Para forçar a vítima a falar, os inquisidores amarravam-na na parte externa da roda com brasas embaixo. Assim, o corpo era queimado à medida que a roda ia girando. As articulações também 

 
 sofriam sérios danos. Essa tortura foi muito utilizada na Inquisição medieval, em países como Alemanha e Inglaterra. Outra verso da roda tinha ferros pontiagudos, em vez de brasas, para rasgar a pele.
► O Potro
O réu ficava deitado sobre uma cama com ripas, com pernas e braços amarrados por cordas. Usando um arrocho, os torturadores apertavam as cordas até dilacerar a carne. Como os métodos de confissão eram mantidos em segredo, os inquisidores evitavam utilizar essa tortura nos 15 dias anteriores ao auto-de-fé, para que o povo não visse as cicatrizes do réu.
► O Pêndulo
A vítima era amarrada pelos pulsos, atrás das costas, com correias de couro. Em seguida, era levantada por cordas e roldanas, solta bruscamente e segura de novo antes de o corpo alcançar o solo. Os solavancos destroncavam as juntas e podiam aleijar. Esse tormento tinha variações, como a polé: a vítima era amarrada também pelos tornozelos e erguida de barriga para cima.
► A Tortura d’água Nessa espécie de afogamento, o acusado era preso em uma mesa de barriga para cima. Os inquisidores abriam sua boca e jogavam água por um funil, fazendo-o engolir vários litros. Também colocavam panos molhados dentro da garganta, que podiam causar asfixia. Mas, como nos outros métodos, o objetivo não era matar, e sim forçar a confissão de heresias e a delação.

⇨ Para que a caça aos hereges surtisse efeito, era necessário o apoio do Estado. “Embora a Inquisição medieval tenha sido idealizada e dominada pelo papa, ela contou com o auxílio dos soberanos”, diz Anita. Isso mostra o caráter político das perseguições, numa época em que não havia clara separação entre Igreja e Estado. O divisor de águas nessa empreitada foi o 4º Concílio de Latrão, convocado pelo papa Inocêncio III em 1215. Seu principal objetivo era resolver o problema dos cátaros (ou albigenses), um grupo de cristãos do sul da França que contestava os dogmas da Igreja. Ficou decidido que quem se negasse a aceitar a fé católica seria excomungado e entregue à autoridade secular (ou seja, aos funcionários da coroa) para ser castigado, pois a Igreja não podia derramar sangue.
O sacerdote espanhol Domingos de Gusmão botou o plano em prática com a criação da Milícia de Jesus Cristo, cujos membros estavam dispostos a pegar em armas para defender a fé. “Esses milicianos foram os primeiros a usar técnicas de crueldade e violência, copiadas depois pela Inquisição moderna”, diz Anita. Como muitos cátaros fugiram da França para o reino de Aragão, na atual Espanha, não tardou para que os inquisidores realizassem lá violentos espetáculos de massa, que seriam os precursores dos autos-de-fé modernos – em 1314, por exemplo, seis hereges foram jogados no fogo.
O método de perseguição dos inquisidores era simples: eles visitavam os povoados, em geral acompanhados de funcionários da Justiça local, e convocavam a população na igreja principal. Cada pessoa tinha que confessar seus erros e os dos amigos e parentes no prazo médio de 30 dias. Os processos eram feitos na base da delação, dos rumores, do diz-que-diz, e contavam com espiões locais conhecidos como “familiares” – homens influentes da sociedade. Se os inquisidores não juntassem provas de heresia naquele prazo, não tinha problema: os suspeitos eram condenados mesmo assim a penas como excomunhão, confisco de bens, prisão, açoite e mesmo morte. As fogueiras davam um caráter mítico aos autos-de-fé, que atraíam o povo com promessa de redenção.
O mais famoso inquisidor medieval foi o teólogo catalão Nicolau Aymerich, autor do Directorium Inquisitorium, uma espécie de manual da Inquisição. Ele dizia que o segredo era a base do trabalho, pois protegia os delatores. A obra também “ensinava” como identificar feiticeiras e contribuiu para a histeria da caça às bruxas, um fenômeno paralelo à Inquisição que chegou ao auge entre os século 15 e 17. Os historiadores estimam que 50 mil pessoas (75% delas mulheres) tenham sido queimadas por suspeita de bruxaria, pacto com o diabo ou por “lançar mau-olhado” em províncias de países como Alemanha, Suíça, Polônia, Dinamarca e Inglaterra.
Novas motivações
“A Inquisição medieval entrou em decadência com o Renascimento no século 15”, diz a historiadora Neusa Fernandes, vice-presidente do Instituto Histórico e Geográfico do Rio de Janeiro. “Porém, ela seria revigorada na Espanha e em Portugal, perseguindo não apenas os hereges, mas sobretudo uma nova gama de criminosos: os judeus.” Mas por que eles?
Tudo começou no século 4, quando o cristianismo deixou de ser uma seita perseguida para se tornar a religião oficial do Império Romano. Já em 325, o Concílio de Nicéia culpou os judeus pela morte de Jesus (acusação só retirada em 1965, no Concílio Vaticano 2o). Boa parte dessa hostilidade procedia do próprio Novo Testamento – nele, há menções de que os judeus sejam filhos do diabo e que se culparam pela morte de Jesus. “Os Evangelhos foram escritos muitas décadas depois da morte de Jesus por pessoas que não conheciam de primeira mão os acontecimentos de sua vida, mas que viveram no clima de rivalidade que a incipiente comunidade cristã mantinha com o judaísmo”, diz o historiador americano Daniel Goldhagen, da Universidade de Harvard. Pregadores cristãos trataram de falar mal dos judeus e, assim, a Europa medieval viu crescer vários mitos: eles teriam chifres e rabos, fariam rituais com sangue de crianças cristãs e seriam os responsáveis pela peste negra. ⇨
Mundo afora Portugal e Espanha "exportaram" o Santo Ofício para suas colônias 


►Goa: o menor estado da Índia foi conquistado por Portugal no século 15 e se transformou em rota importante do comércio de especiarias. Em pouco tempo, também virou palco da mais sanguinária das inquisições portuguesas, que perseguiu principalmente hindus convertidos ao catolicismo. De 1536 até o fim do século 17, mais de 3 mil pessoas foram julgadas em 37 autos.
►Cartagena: o Tribunal da Inquisição foi criado ali em 1610 para complementar os tribunais de Lima e do México na América espanhola. Nos 201 anos seguintes, essa praia paradisíaca da Colômbia ficou conhecida pelos autos-de-fé contra cristãos-novos, bígamos e feiticeiras. Hoje é possível visitar o Palácio da Inquisição, local das mais de 500 execuções, e conhecer a câmara dos tormentos e o pavilhão das bruxarias.
►Cabo Verde: nem esse pequeno arquipélago situado a 600 quilômetros da costa africana escapou do Santo Ofício, que atuou na esteira do comércio de escravos. De 1536 a 1821, os visitadores denunciaram 233 por judaísmo, 38 por blasfêmia, 104 por feitiçaria, oito por bigamia, 85 por sodomia e 40 por desrespeito aos sacramentos. Detalhe: a população da época não superava os 10 mil habitantes.
⇨ Em 1215, o 4º Concílio de Latrão (o que condenou os cátaros) proibiu o casamento entre judeus e não-judeus, impediu os judeus de exercerem funções públicas e os obrigou a usar distintivos sobre as roupas, como a estrela amarela imposta por Luís IX na França. O anti-semitismo aumentava cada vez mais. A Inglaterra expulsou os judeus de seu território em 1290 e a França, em 1306. A Espanha foi mais dura: cerca de 4 mil foram assassinados em Sevilha apenas em 1391. Para escapar da morte, milhares de judeus espanhóis procuraram o batismo. Isso criou três novos grupos: os judeus que se salvaram dos massacres e mantiveram a fé judaica, os que se converteram ao cristianismo mas praticavam a religião secretamente (criptojudeus) e os que se converteram de verdade (conversos). Estes últimos esperavam ter todos os direitos dos cristãos. Mas, na prática, foi diferente. Eles continuaram sendo culpados pelos males da nação e ganharam o apelido de marranos (porcos).
As perseguições também tinham sua motivação econômica, já que os judeus haviam alcançado postos importantes na economia e nas universidades. A política racista imperou na Espanha através dos “estatutos de pureza de sangue”. Eles asseguravam que nenhum descendente de judeu ou mouro podia freqüentar universidades, ingressar em ordens religiosas e militares ou ter cargos políticos. Os candidatos a esses postos precisavam apresentar a “habilitação de genere”, uma espécie de árvore genealógica que mostrava que não tinham entre os antepassados nenhuma gota de sangue “impuro”. A essa altura, portanto, o velho discurso religioso antijudaico tinha virado um discurso racial contra os judeus convertidos. Cenário perfeito para o início da Inquisição moderna.
Edição moderna
Poucos casamentos mudaram tanto a história como o da rainha Isabel, de Castela, com o rei Fernando, de Aragão. A boda de 1469 deu impulso à unificação da Espanha e selou o destino dos judeus na península Ibérica. Logo que subiram ao trono, os reis católicos viram que precisavam do apoio da Igreja e da burguesia para consolidar seu poder. Também tinham de encher os cofres para expulsar os mouros de Granada, o último bastião muçulmano na península desde a invasão no século 8 pelos exércitos islâmicos. A solução? Reeditar a Inquisição, tendo agora como alvo principal os judeus convertidos, e usar os lucros dos confiscos das vítimas para financiar a guerra contra os mouros.
O plano deu certo. Em 1478, o papa Xisto IV autorizou a criação oficial do Tribunal da Inquisição na Espanha – embora duvidasse das intenções religiosas, acabou aceitando a idéia para manter a cooperação entre a coroa e a Santa Sé. “Apesar daas funções santas que alegou, o Tribunal da Inquisição foi uma instituição vinculada ao Estado e respondia aos interesses das facções do poder: coroa, nobreza e clero”, diz Anita. Sevilha foi o palco do primeiro auto-de-fé da Inquisição moderna em 1481, quando seis pessoas morreram na fogueira. Segundo o historiador espanhol Andrés Bernáldez, mais de 700 convertidos seriam queimados e outros 5 mil presos ali até 1488. “Diferentemente da Inquisição medieval, cujos inquisidores eram nomeados pelo papa, na moderna eles eram nomeados pelos reis e atuavam por intermédio dos tribunais criados nos reinos, com a autorização do papa”, diz Anita. ⇨
Tribunais no Brasil
Embora quase não se fale desse assunto, houve, sim, Inquisição no Brasil. E ela disseminou o racismo aqui por mais de 200 anos. “A Inquisição nunca foi oficialmente instituída no país, mas nem precisava. Qualquer religioso regional fazia o papel de inquisidor”, diz a historiadora Neusa Fernandes, autora do livro A Inquisição em Minas Gerais no Século XVIII. “Bispos, padres, párocos, todos eram vigias, todos delatavam. A pessoa era presa, o processo era aberto e ia para Lisboa.” O Tribunal da Inquisição funcionava aqui através de representantes locais, os “comissários”. Eles contavam com a ajuda dos “familiares”, homens influentes que espionavam e faziam denúncias, e dos “visitadores”, funcionários do Santo Ofício que vinham da metrópole para acompanhar os processos de devassa. Estima-se que mais de mil pessoas tinham sido presas e levadas para os cárceres de Portugal e cerca de 30 condenadas à morte na fogueira. A maioria era formada por cristãos-novos, mas também havia acusados de feitiçaria, blasfêmia, bigamia, sodomia, concubinato e até frades apontados como fornicadores. Como o Santo Ofício sempre agiu no rastro dos homens de negócio, que rendiam confiscos mais polpudos, a caçada pegou para valer no século 18 com a descoberta do ouro em Minas Gerais. A Inquisição exigia ainda que candidatos às ordens religiosas brasileiras provassem que não tinham antepassados “hereges”. Documentos arquivados na Cúria Metropolitana de São Paulo mostram, por exemplo, que o poeta Cláudio Manoel da Costa foi recusado por “suspeita de sangue”.

⇨ Em 1483, Xisto IV autorizou a criação de tribunais em Aragão, Catalunha e Valência. Quem assumiu como inquisidor-geral foi Tomás de Torquemada, chefe do mosteiro dominicano de Santa Cruz em Segóvia. Torquemada iniciava os processos com base em denúncias de todo tipo, inclusive por carta anônima. Não era preciso provar nada e o acusado não sabia quem era seu delator. Os tribunais julgavam dois tipos de crime. Os que eram contra a fé (e tinham como acusados judeus, islâmicos e protestantes, entre outros) eram mais graves e passíveis de morte. Já contra a moral (acusados de bigamia, sodomia e bruxaria, por exemplo) eram punidos com prisão e outros castigos mais leves. O confisco de bens valia para todas as vítimas.
Com a grana dos confiscos, Fernando e Isabel conseguiram derrotar os mouros em Granada em 1492, enquanto a Inquisição começava a se expandir pelas colônias da América. Naquele mesmo ano, os reis católicos decretaram a expulsão da Espanha de todos os judeus que não aceitassem a conversão imediata. Quase 150 mil judeus atravessaram a fronteira em direção a Portugal, enquanto outros 50 mil se dirigiram ao norte da África e à Turquia. Os mouros da Espanha também tiveram que se converter ao cristianismo. Seus descendentes seriam desterrados de lá mais tarde, em 1609. ⇨
A "Lenda Negra"
No passado, alguns historiadores espanhóis enxergaram nos relatos estrangeiros da Inquisição, feitos principalmente por protestantes ou iluministas irreligiosos, como uma forma de propaganda inimiga, querendo demonizar sua história e cultura. A isso o historiador Julián Juderías batizou de Lenda Negra, no livro com o mesmo nome de 1914. Em alta durante a ditadura de Francisco Franco, o termo é meio "maldito" hoje em dia, mencionado por ultranacionalistas.
⇨ Em Portugal, até então, cristãos, muçulmanos e judeus ainda mantinham uma boa convivência. Mas o rei português dom Manuel I acabara de fazer um contrato de casamento com Isabel, filha dos reis católicos espanhóis. E uma das cláusulas exigia que ele expulsasse os judeus também de Portugal. Como os judeus eram grandes negociantes e respondiam por uma parcela importante da economia, o monarca preferiu transformá-los em cristãos-novos, com um batismo forçado em 1497. Claro que muitos não abriram mão da fé com aquele banho coletivo de água benta. Por isso, os portugueses começaram a acusar os cristãos-novos de serem falsos cristãos. A violência explodiu em 1506, numa missa de Páscoa no mosteiro de São Domingos, em Lisboa. Um cristão-novo dissera que um suposto milagre era apenas um reflexo da luz e foi espancado até a morte. A raiva contra ele se espalhou pelas ruas, instigada por frades. Resultado: três dias de carnificina e cerca de 2 mil mortos.
Em 23 de maio de 1536, o rei dom João III conseguiu autorização definitiva do papa para instalar a Inquisição em Portugal. Nos anos seguintes, as fogueiras dos autos-de-fé arderam em Lisboa, Coimbra, Évora e outras cidades. Muitos judeus fugiram para lugares onde podiam assumir sua identidade, como Amsterdã e Istambul. Outros continuaram a professar secretamente sua fé nos porões das casas, correndo o risco de serem pegos.
Legado totalitário
A Inquisição acabou oficialmente em 1821 em Portugal e em 1834 na Espanha. Depois disso, o Santo Ofício ainda vigorou na Itália e mudou duas vezes de nome até, em 1965, passar a ser chamado de Congregação para a Doutrina da Fé. No ano 2000, o papa João Paulo II oficializou o pedido de desculpas pelos “erros cometidos a serviço da verdade, por meio do recurso a métodos não-evangélicos”.
Para os estudiosos, o problema da Inquisição vai muito além da quantidade de mortos: sua herança discriminatória é sentida ainda hoje. “A Congregação para a Doutrina da Fé advertiu e puniu teólogos contemporâneos que têm questionado alguns aspectos da doutrina católica e a infalibilidade da Igreja”, diz Anita. Um deles foi o brasileiro Leonardo Boff, condenado em 1984 pelo então cardeal (atual papa) Joseph Ratzinger a um ano de “silêncio obsequioso” por causa dos questionamentos à hierarquia eclesiástica expostos no livro Igreja: Carisma e Poder. Durante o interrogatório, Boff se sentou na mesma cadeira ocupada mais de 300 anos antes pelo físico Galileu Galilei.
Mas o legado da Inquisição ultrapassa as fronteiras do cristianismo. “Com seu caráter de polícia do pensamento, ela impôs um estado de paranoia e perseguição institucional que é um claro antecedente dos totalitarismos atuais”, diz o historiador inglês Toby Green. Exemplo disso foi o regime nazista, que levou às últimas conseqüências a noção de pureza da raça. Para Neusa Fernandes, o trabalho do Santo Ofício continua vivo no racismo, na censura, no controle moral, na miséria, na violência. Os movimentos fundamentalistas atuais, embora de origens diversas, também compartilham a atitude dos inquisidores. “Eles pensam que são donos de toda a verdade e que os outros são hereges”, diz o escritor americano Richard Zimler, autor de O Último Cabalista de Lisboa. “O líder do Estado Islâmico Abu Bakr al-Baghdadi e os inquisidores portugueses do século 16 se entenderiam muito bem, pois sua postura moral é exatamente a mesma.”

Entre mortos e feridos
Uma estimativa das vítimas da Inquisição moderna*
►Inquisição Espanhola
►34 1021 - Condenados
►31 912 - Queimados
►17 659 - Queimados em efígie
►Inquisição portuguesa
►29 590 - Condenados
►1 808 - Queimados
►633 - Queimados em efígie * Levantamentos feitos pelos historiadores Juan Antonio Llorente (referentes à Espanha, entre 1481 e 1808) e Cecil Roth (estimativas sobre Portugal). Não há dados sobre a Inquisição medieval.

Saiba mais
A Inquisição, Anita Novinsky, Brasiliense, 2007


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quarta-feira, 18 de setembro de 2019

Deuses brasileiros

Panteão Indígena Brasileiro

Nhanderu e a roda dos mundos

Nhanderu também chamdo de Iamandu (o deus sol) cuja expressão é Tupã (trovão) junto com Araci tambem chamada iaci ou jaci (a deusa lua) são as duas primeiras entidades do Edhen a cruzar a barreira com paradísia na América do Sul num lugar descrito como um Monte na região do Aregúa (paraguai). E de lá criaram os animais, plantas da américa do sul e as primeiras criaturas místicas , iniciando o povoamento de paradía.

Nhenderu criou Rupave e Sypave em uma cerimônia elaborada, formando estátuas de argila do homem e da mulher com uma mistura de vários elementos da natureza. Depois de soprar vida nas formas humanas, deixou-os com os espíritos do bem e do mal. Rupave e Sypave ("Pai dos povos" e "Mãe dos povos") tiveram três filhos e um grande número de filhas. O primeiro dos filhos foi Tumé Arandú, considerado o mais sábio dos homens e o grande profeta do povo Guarani. O segundo filho foi Marangatu, um líder generoso e benevolente do seu povo, e pai de Kerana, a mãe dos sete montros legendários do mito Guarani. Seu terceiro filho foi Japeusá, que foi, desde o nascimento, considerado um mentiroso, ladrão e trapaceiro, sempre fazendo tudo ao contrário para confundir as pessoas e tirar vantagem delas. Ele eventualmente cometeu suicídio, afogando-se, mas foi ressucitado como um caranguejo, e desde então todos os caranguejos foram amaldiçoados para andar para trás como Japeusá.

Mito guarani da criação

A figura primária na maioria das lendas guaranis da criação é Iamandu (ou Nhanderu ou Tupã), o deus Sol e realizador de toda a criação. Com a ajuda da deusa lua Araci, Tupã desceu à Terra num lugar descrito como um monte na região do Aregúa, Paraguai, e deste local criou tudo sobre a face da Terra, incluindo o oceano, florestas e animais. Também as estrelas foram colocadas no céu nesse momento.



Tupã então criou a humanidade (de acordo com a maioria dos mitos Guaranis, eles foram, naturalmente, a primeira raça criada, com todas as outras civilizações nascidas deles) em uma cerimônia elaborada, formando estátuas de argila do homem e da mulher com uma mistura de vários elementos da natureza. Depois de soprar vida nas formas humanas, deixou-os com os espíritos do bem e do mal e partiu.

Nhanderuvuçú é considerado Deus supremo na religião primitiva dos índios brasileiros.

Nhanderuvuçú não tem forma humana a chamada forma antropomórfica, é a energia que existe, sempre existiu e existirá para sempre, portanto Nhanderuvuçú existe mesmo antes de existir o Universo.

A única realidade que sempre existiu, existe e existirá para sempre é a energia a qual os índios brasileiros identificam como Nhanderuvuçú.

No princípio ele criou a alma, que na língua tupi-guarani diz-se "Anhang" ou "añã" a alma; "gwea" significa velho(a); portanto anhangüera "añã'gwea" significa alma antiga.

Nhanderuvuçú criou as duas almas e, das duas almas (+) e (-) surgiu "anhandeci" a matéria.

Depois ele disse para haver lagos, neblina, cerração e rios.

Para proteger tudo isso, ele criou Iara.

Nhanderuvuçú criou também Caaporã o protetor das matas por si só nascidas e protetor dos animais que vivem nas florestas, nos campos, nos rios, nos oceanos, enfim o protetor de todos os seres vivos.

Caaporã quando é evocado para proteger as plantas plantadas junto aos roçados dos índios é chamado por eles de forma carinhosa com o cognome de Ceci.

Caaporã em língua tupi-guarani significa "boca da mata "Caa = boca e Porã = mata"

Dizem as lendas que no meio dos animais protegidos por Caaporã apareceu mais um casal de animais.

A primeira mulher, Amaú (Sypave) e, o primeiro homem, Poronominare (Rupave).


Primeiros humanos

Os humanos originais criados por Tupã eram Rupave e Sypave, nomes que significam "Pai dos povos" e "Mãe dos povos", respectivamente. O par teve três filhos e um grande número de filhas. O primeiro dos filhos foi Tumé Arandú, considerado o mais sábio dos homens e o grande profeta do povo Guarani. O segundo filho foi Marangatu, um líder generoso e benevolente do seu povo, e pai de Kerana, a mãe dos sete monstros legendários do mito Guarani (veja abaixo).

Seu terceiro filho foi Japeusá, que foi, desde o nascimento, considerado um mentiroso, ladrão e trapaceiro, sempre fazendo tudo ao contrário para confundir as pessoas e tirar vantagem delas. Ele eventualmente cometeu suicídio, afogando-se, mas foi ressuscitado como um caranguejo, e desde então todos os caranguejos foram amaldiçoados para andar para trás como Japeusá.

Entre as filhas de Rupave e Sypave estava Porâsý, notável por sacrificar sua própria vida para livrar o mundo de um dos sete monstros legendários, diminuindo seu poder (e portanto o poder do mal como um todo).

Crê-se que vários dos primeiros humanos ascenderam em suas mortes e se tornaram entidades menores.


Os sete monstros legendários

Kerana, a bela filha de Marangatu, foi capturada pela personificação ou espírito mau chamado Tau. Juntos eles tiveram sete filhos, que foram amaldiçoados pela grande deusa Arasy, e todos exceto um nasceram como monstros horríveis. Os sete são considerados figuras primárias na mitologia Guarani, e enquanto vários dos deuses menores ou até os humanos originais são esquecidos na tradição verbal de algumas áreas, estes sete são geralmente mantidos nas lendas. Alguns são acreditados até tempos modernos em áreas rurais. Os sete filhos de Tau e Kerana são, em ordem de nascimento:

1 - Teju Jagua, deus ou espírito das cavernas e frutas
2 - Mboi Tu'i, deus dos cursos de água e criaturas aquáticas
3 - Moñai, deus dos campos abertos. Ele foi derrotado pelo sacrifício de Porâsý
4 - Yacy Yateré, deus da sesta, único dos sete a não aparecer como monstro
5 - Kurupi, deus da sexualidade e fertilidade
6 - Ao Ao, deus dos montes e montanhas
7 - Luison, deus da morte e tudo relacionado a ela


O Mito: A criação da Noite

Nas Aldeias de todo o mundo, nas terras dos índios, era sempre dia. Nunca havia noite, estava sempre claro. Os homens não paravam de caçar, nem as mulheres de limpar, tecer e cozinhar. O sol ia do leste ao oeste e depois refazia o caminho, ia do oeste ao leste, seguindo assim.

Mas teve um dia que o caso mudou. Quando Tupã, aquele que controlava tudo, havia saído para caçar, um homem muito curioso tocou no frágil Sol para saber como funciona. Então o Sol que dava luz e calor havia se apagado, havia quebrado em mil pedacinhos. Então as trevas haviam reinado na aldeia.

Tupã não se conformou com tal atitude do homem, e o transformou em um novo animal, que tinha as mão douradas como o Sol que brilhava. E deu-se o nome àquele bicho de macaquinho-de-mão-d'ouro. Tupã então tratou de refazer o Sol. Mas ele só ia ao oeste e não conseguia voltar. Então criou assim a Lua e as estrelas para iluminarem a noite. E assim ia, o Sol ia até o poente, não voltava, e então vinha a Lua e as estrelas. Acabava a noite e o Sol voltava. mas o sol sempre sorrindo ia e um dia viu a lua orgulhoso do que fez

Enfim os índios Brasileiros adoram o que existe de fato, adoram somente o que é realmente real, os fenômenos naturais, o clima, a natureza, apenas as coisas reais. "A realidade é a única verdade em que podemos acreditar".

"Tupã-Cinunga" ou "o trovão", cujo reflexo luminoso é tupãberaba, ou relâmpago cuja voz se faz ouvir nas tempestades sua morada é o Sol.

Tupã representa um ato divino, é o sopro da vida, e o homem a flauta em pé, que ganha a vida com o fluxo que por ele passa."



O PANTEÃO

ANGATUPRI - Espírito ou personificação do bem

ANHANGÁ - Deus Infernal

ANHUM - Deus do Canto e da Música, neto de Tupã tocava Taré.

ARACI - Na mais longínqua e remota antiguidade, Itaquê, o mortal, amou a imortal Deusa Lua Jaci. Dessa união, nasceu Araci, que ao morrer, foi elevada aos céus por sua mãe, tornando-se a ninfa das manhãs e da aurora.

BOTO - Deus dos abismos dos mares, que governa os oceanos e habita a sagrada Loca, que é a habitação dos Deuses marinhos no fundo das águas.

COROACY - Deusa Solar ou a Mãe do Dia. Ela representa a primeira visão do Sol matinal.

CURUPIRA - Foi enviado para terra por Tupã para proteger os campos e florestas.

CY - A Mãe de Todos, a encarnação da Terra e de todos os ventres grávidos.

DEUSA ARANHA - Deusa tecelã da vida que trouxe nos fios de sua teia os Caiapós do espaço para habitar a Terra.

GUARACY - Deus Sol.

IAVU-RÊ-CUNHÃ - Duende da Mata dos Kamaiurá.

JACY - Deusa-Lua, a poderosa Mãe da Noite e Senhora dos Deuses. Tem duas formas: Jacy Omunhã (Lua Nova) e Jacy Icaua (Lua Cheia).

JURUTI - A Mãe dos rios.

KATXURÉU - Deusa da Morte dos indígenas.

MARA- Deusa das Trevas.

MULHER ARARA - Deusa Mãe que possui o poder de transformar-se tanto em pássaro como em mulher.

NAIÁ - Fada que habita a flor da planta conhecida por Vitória-Régia.

NETE BEKU - Deusa Mãe que ensinou aos Kaninawás sobre o uso dos vegetais.

NHARÁ - Deus do Inverno.

PÉDLERÉ - Deusa da Morte dos índios krahôs.

PÔLO - Deus do Vento e Mensageiro dos Deuses.

POMBERO - Um espírito popular de travessura

PYTAJOVÁI - Deus da guerra

RUDÁ - Deus do Amor, encarregado da fertilidade e da reprodução.

SETE ESTRELO - O Deus das Plêiades.

SUMÁ - Deusa da Ira, que envolta em uma manta negra de cipó chumbo, vagava pela terra, espalhando ódio e discórdia. Era uma Deusa Guerreira que orientava e protegia a agricultura. Uma lenda bem antiga, afirma ser ela filha legítima de Tupã e Jaci.

TAMBA-TAJÁ - Deus do Amor.

TAU - Deus/Espirito do Mau.

TATAMANHA - Deusa das Labaredas e das faíscas.

TICÊ - Esposa de Anhangá (Deus Infernal).

TIRIRICAS - Deusas da Raiva, do Ódio e da Vingança.

TOLORI - Deus da Tempestade e inimigo das mulheres.

TUPÃ - (que na língua tupi significa trovão) é uma entidade da mitologia tupi-guarani.

Os indígenas rezam a Nhanderuvuçu e seu mensageiro Tupã. Tupã não era exatamente um deus, mas sim uma manifestação de um deus na forma do som do trovão. É importante destacar esta confusão feita pelos jesuítas.Nhanderuete, "o liberador da palavra original", segundo a tradição mbyá, que é um dialeto da língua guarani, do tronco lingüístico tupi, seria algo mais próximo do que os catequizadores imaginavam.

Câmara Cascudo afirma que Tupã "é um trabalho de adaptação da catequese". Na verdade o conceito "Tupã" já existia: não como divindade, mas como conotativo para o som do trovão (Tu-pá, Tu-pã ou Tu-pana, golpe/baque estrondante), portanto, não passava de um efeito, cuja causa o índio desconhecia e, por isso mesmo, temia. Osvaldo Orico é da opinião de que os indígenas tinham noção da existência de uma Força, de um Deus superior a todos. Assim ele diz: "A despeito da singela idéia religiosa que os caracterizava, tinha noção de Ente Supremo, cuja voz se fazia ouvir nas tempestades – Tupã-cinunga, ou "o trovão", cujo reflexo luminoso era Tupãberaba, ou relâmpago. Os índios acreditavam ser o deus da criação, o deus da luz. Sua morada seria o sol

Para os indígenas, antes dos jesuítas os catequizarem, Tupã representava um ato divino, era o sopro, a vida, e o homem a flauta em pé, que ganha a vida com o fluxo que por ele passa.

UALAIMKÍPIA - Deusa-Pássaro da Morte equivalente a Deusa grega Hécate.

UIAPURU - O Deus do amor do mundo alado, o pássaro encantado considerado o orfeu amazônico.

VITÓRIA RÉGIA - Deusa-fada do reino vegetal.

XUNDARUÁ - Deusa Peixe-Boi padroeira da pesca e dos pescadores.

YARA - (também chamada de "Mãe das Águas"), segundo o Mitologia Índigena, é uma lindissima Sereia morena, de longos cabelos negros e olhos castanhos, que costuma banhar-se nos Rios e Cachoeiras, cantando uma Melodia de Beleza irresistível. Os homens que a vêem não conseguem resistir a seus desejos e pulam nas Águas, e ela então os leva para o fundo; quase sempre não voltam vivos. Os que voltam ficam loucos, e apenas uma benzedeira ou algum ritual realizado por um Pajé consegue curá-los. Os Índios têm tanto medo da Iara que procuram evitar os lagos ao entardecer.Iara antes de ser sereia era uma índia guerreira, a melhor de sua tribo. Seus irmãos ficaram com inveja de Iara pois ela só recebia elogios de seu pai que era pajé, e um dia eles resolveram tentar matá-la. De noite quando Iara estava dormindo seus irmãos entraram em sua cabana só que como Iara tinha a audição aguçada os ouviu e teve que matá-los para se defender, e com medo de seu pai fugiu. Seu pai propôs uma busca implacável por Iara. E conseguiram pegá-la, como punição Iara foi jogada bem no encontro do rio Negro e Solimões, os peixes a trouxeram a superfície e de noite a lua cheia a transformou em uma linda sereia, de longos cabelos negros e olhos castanhos.
Era o deus dos peixes. Era , segundo outros, a Sereia ou Mãe d'água, pois Y-Yára quer dizer - a que mora na água. A raça desses monstros marinhos chamavam de Y-Yára-ruoiara.

YANUBÊRI - Avó ancestral indígena muito poderosa.

YEBÁ BELÓ - A Avó do Universo.
“Yebá Beló fez a si mesma a partir de utensílios invisíveis e pensava em como deveria criar o mundo. Ainda não havia luz, Yebá então criou três trovões, do primeiro fez surgir Emeko, um ser invisível, do segundo Emeko criou o Sol e com poder concedido por Yebá Beló criou o homem. Do último trovão Emeko criou os animais. Yebá formou ainda a terra, com sementes do seu seio esquerdo e adubando com leite do seio direito. A criação se dá por completo, quando dois índios, Curu e Rairu, enviados por Tupã, estendem uma corda e puxam pessoas por um buraco na terra, dando início a povoação do mundo”

YUSHÃ KURU - Deusa feiticeira ou curandeira que ensinou os xamãs kaxinawás a curar. Conhecida também como a Fêmea Roxa, deu muitos conselhos e surgiram os remédios. Uns eram venenos para matar: olho forte, Beru Paepa. Mijo amargo, Isü Muka. Outro para coceira, Nui. A velha Fêmea Roxa observava bem as folhas e os pés das árvores: ─ Esse mato não é remédio forte.

E assim foi... Surgiram muitos remédios, todos os remédios que têm na mata. Remédio bom que cura as pessoas. Bom para picada de cobra, picada de escorpião, aranha, reumatismo e fígado.A Fêmea Roxa,
Yushã Kuru, conhecia bem todas as folhas desses remédios.

Depois não ensinava vira mais ninguém. Usava todos esses remédios sempre escondida de todo mundo. Até que um dia, a velha Fêmea começou a ensinar para neto dela, o tubo de sua filha. Ensinava a ele todos os remédios da mata que sabia. Ensinava também como preparar estes remédios. Também ensinava o remédio forte e venenoso para colocar feitiçono outro. E experimentava com ele para saber se ele tinha aprendido tudo que sua avó sabia.
Aprendeu a preparar o veneno para botar feitiço no outro. E, as vezes, com mato venenoso, tirar o espírito da pessoa.Quando a mulher moça ou o homem rapaz crescia bonito, ela botava feitiço. Quando o homem era trabalhador, a mulher fazia artesanato e quando esculhambava com a velha Fêmea Roxa ela também botava feitiço para essas pessoas morrerem.
Na aldeia, o povo nau sabia o que a Fêmea Roxa fazia. Passou muito tempo sem ninguém perceber a situação.

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quinta-feira, 11 de outubro de 2018

As Bruxas do Piauí



Em todo o Brasil, durante toda a existência da inquisição, o que durou séculos, 400 pessoas teriam sido condenadas, sendo que 21 dessas teriam sido enviadas para Lisboa, para serem queimadas na fogueira pelo Tribunal da Inquisição.


O terror, contudo, era generalizado, pois todos podiam ser denunciados. Era até comum pais denunciarem filhos, filhos denunciarem pais, amigos denunciarem amigos, esposas denunciarem maridos, maridos denunciarem esposas e irmãos denunciarem irmãos. Até para se livrarem de suspeitas e das torturas inimagináveis. Ninguém podia confiar em ninguém. Deve ter sido assustador viver na época em que as trevas dominavam, inclusive, a igreja, e a superstição se sobrepunha à razão.


Feitiçaria

As denúncias por feitiçaria sempre foram rigorosamente punidas pelo Tribunal do Santo Ofício. A mistura cultural entre brancos europeus, negros africanos e índios americanos, criou, nas palavras de Luiz Mott, “um verdadeiro caldeirão de superstições, magias e rituais macabros destinados á obtenção de fins os mais variados”. Em 1741, no Parnaguá, foi denunciada a mestiça Bibiana Ferreira, que, segundo o Vigário Rosa, uma das testemunhas ouvidas, seria uma “feitiçeira, fazendo calundús para advinha, dando contas para trazerem no braço para não serem as pessoas ofendidas, dizendo que as ditas contas têm virtude para preservar de todo o mal”, de modo que este mesmo Vigário teria arrancado uma espécie de pulseira de contas do braço do escravo.

Na visita do Bispo do Maranhão em 1760, várias pessoas acusaram o preto João Tocó, escravo de Antonio Costa, de ser um exímio feiticeiro. Afirmou o Capitão Manuel Filipe Azevedo, ter visto o negro fazer certos rituais a uma mameluca “dizendo algumas palavras para atrair homens” cobrando por tais serviços o equivalente ao preço de um boi. Que esta mameluca dizia ter no corpo uma espécie de diabinho particular, que atraía o afeto das pessoas.

Ainda segundo o mesmo capitão, a mameluca Maria da Conceição conhecia orações com o poder de atrair homens, como, de fato, teria atraído para si um estrangeiro de nome Jacques Francisco do Prado, natural dos Países Baixos, com que teria mantido relação por longo tempo, além de ter atraído um outro homem com quem vivia ainda à época da denúncia.

Já José Antonio Monteiro, cirurgião, acusou Rosa Maria de fazer mandar “os negros fazer a experiência ou advinhação do quimbamdo, pondo uma tesoura com ponta para baixo sobre o quimbamdo, e a roda pôs os nomes das pessoas de quem se tinha alguma suspeita, e con­forme o movimento que fazia, o quimbando a respeito dos nomes que estavam na roda, se assenta que este ou aquele foi o de quem quer saber alguma coisa.” Isso veio a tona por conta de a adivinhação ter sido contratada pelo próprio Ouvidor da Capita­nia, Manuel Cípriano da Silva Lobo, que queria descobrir quem havia proferido insultos contra sua pessoa na casa do Tesoureiro Domingos de Farias Góis.

Já o Capitão do Mato Félix foi acusado de carregar consigo “um patuá para aumentar-Ihe as valentias”, enquanto que o preto sapateiro de nome Matias foi acusado de “fazer curas de quebranto com palavras e com cortabaço e tabôa”. Acusaram ainda o preto Luiz da Silva, morador no Riacho da Mina, de ser feiticeiro e o escravo Afonso, da Fazenda da Panela, propriedade dos Jesuítas, de curar bicheira com palavra, de modo que já teria sido visto curando alguns animais com esses ritos proibidos.

O escravo João foi acusado de, com uso de feitiçaria, matar a escrava Quitéria, de modo que teria fugido temendo ser responsabilizado por isso, e Manuel, escravo de Gaspar Abreu, acusado de ter sido pego, nas matas do Parnaíba, costurando a boca de um sapo.

Em 1782, O pardo Luiz Ribeiro teria ficado três anos mofando na prisão por trazer consigo, no pescoço, “bolsa com umas migalhas que pareciam de hóstia, envolto tudo com várias orações uma delas respectiva à hóstia consagrada”. O feitiço teria sido realizado com o fim de que ninguém lhe fizesse mal.


O sabá das bruxas de Oeiras

Luiz Mott descobriu ainda, na Torre do Tombo, no Caderno do Promotor de n. 121, Livro 313 da Inquisição de Lisboa, um relato riquíssimo onde se verifica que em Oeiras, em 1758, que ocorreu o único Sabá até hoje registrado no Brasil contemporâneo do Tribunal do Santo Ofício. O documento em questão traz o que seria o relato de uma escrava, à época com 19 anos, que acusa a si mesma de bruxaria perante sacerdotes maranhenses que encaminharam a suposta auto-acusação ao Tribunal da Inquisição.

A dita versão de Joana Pereira de Abreu, mestiça, conta um episódio no mínimo sinistro que teria ocorrido na Vila da Mocha. A seguir passaremos a transcrever trechos do relato onde a escrava, acusaria além de si, outras mulheres, de práticas obscuras que ocorreriam na então Vila da Mocha (Oeiras) e que teriam continuado a ocorrer mesmo depois que fora vendida pra uma fazenda no território em que hoje fica São Luís – Maranhão, onde teria denunciado a si e às outras.

“(…) A primeira que me começou a ensinar foi a supradita Cecília mestiça: esta, por espaço de um mês, que nesse ano foi próximo ao dia e véspera de São João, em que foi o primeiro dia que eu comecei o comércio com o Demônio. Um mês antes, me contou a dita Mãe Cecília, que o Demônio tinha torpezas com as mulheres. E que se eu queria falar e ter com ele, ela me ensinaria. Aceitei eu, como rapariga de nenhuns miolos e por outra parte de costumes de pouca ou nenhuma boa educação. Então me disse ela que eu havia de ir nua à porta da igreja da mesma vila da Mocha, em que vivíamos, e na qual igreja da vila se conserva sempre o Santíssimo Sacramento, que ali havia de bater com as partes prepósteras assim nua umas três vezes na porta da Igreja indo sempre para trás, e havia no mesmo ponto de chamar por este nome e vocábulo: Tundá, o qual vocábulo nem eu lhe sei bem decifrar a significação inteira e cabal, mas julgo ser nome do Demônio. E que dali havia de endireitar nua para umas covas de defuntos que estão a um lado da vila, a onde chamam o ‘Enforcado’, por se ali ter enforcado algumas vezes alguns delinqüentes. E que ali me havia de aparecer um moleque e que eu pondo-me na postura de quatro pés, ele me havia de conhecer pela prepóstera(…) Andou-me ensinando por esse mês uma comprida ladainha destas cousas, scilicet (isto é) que chegando à porta da Igreja, antes de dar com as partes prepósteras, como dito tem, havia de principiar: ‘Eu sou uma mestiça de respeito, que de mim se pode fazer caso; visto saia de veludo, boa camisa e bom sapato. Arrenego do batismo e do padre que me batizou, da madrinha e padrinho que me puseram a mão. Arrenego da confissão e dos padres que me confessam. Arrenego da comunhão que recebem os que comungam. Nem ali creio que esteja o Sujeito que dizem ser Deus. Nem eu conheço outro Deus mais que o Tundá. Ele (pelo Santíssimo) é pão e não é Cristo. Nem eu creio na Igreja e arrenego dela e de todos os que estão dentro dela. Arrenego do matrimônio e dos que o fizeram. Arrenego da Mãe de Mãe Maria e do seu Filho Manuel. Ela está muito convicta que o pariu virgem, e ela é a maior puta que houve, cachorra, cheia de água – E aqui eu arrenegava per vocabulum (pelo vocábulo) o mais sporco(espurco,sujo), pudenda Beatíssima Virginis (as partes pudendas da Beatíssima Virgem). Arrenego de toda a sua raça, isto é, parentela. Arrenego de todos os santos e de todas as santas, que todas foram putas. E aqui entravam etiam pudenda per idem vocabulum supra dictum (também as partes genitais pelo mesmo vocábulo supradito). Punha todos os nomes, os mais horrendos, especialmente à Virgem Senhora, que faziam tremer. Arrenegava de Cristo e de quem o amassou e o gerou, que o não soube amassar. Pegava eu logo a arrenegar de meu pai, de minha mãe e de toda a minha raça por individuais graus de parentesco, nomeando e arrenegando pelo tal sporco (sujo) vocábulo dito pudenda virilia et jeminea (as partes genitais viris e femininas), de toda a minha raça.” Ultimamente acabava eu em arrenegar da minha própria alma, do meu corpo et per vocabulum etian turpidissimum pudendorum meorum (e por palavra também torpíssima minhas genitálias), gritava por Tundá e batia por desprezo com as partes prepósteras na porta da igreja três vezes. E sempre de cada vez com a ladainha infernal dita, ensino tudo da Mestra Cecília por um mês. Fiz o dito em véspera de São João, à porta da Igreja, e dali assim nua, fui logo para o Enforcado. Tornei a fazer ali a mesma ladainha. Apareceu logo em forma de Moleque o nomeado Homem da Cecília minha Mestra. Adorei-o antes de me pôr de quatro, para ter torpíssimos e nefandos atos. Beijei-lhe os pés, pudenda et partes prepósteras (as genitais e partes traseiras), e ali me pus de quatro pés. Senti logo na mesma postura que me serviam turpissimi, non solum prepostere et in pudendis (atos torpíssimos não só na traseira como na genitália), mas também em mais partes do corpo, mais esta primeira vez, e não em todas. Mas para o segundo dia, em todas as partes ainda as mais mínimas e em todas as juntas ao mesmo tempo, exercitando turpia et turpes actus (torpezas e atos torpes), de sorte que se pode dizer um universal e universal torpeza multiplicada per omnes et etiam mínimos artícolos corporis et membrorum (por todas e também mínimas articulações do corpo e dos membros). Não via mais que uma figura. E assim foi sempre por todos os anos ditos. Eu com os olhos não via mais que uma figura, quid mecum miscebatur nuncprepostere, nuncin ore, nunc inpudendis (que a mim se juntava ora na traseira, ora na boca, ora na genitália). Mas os mais sentidos e membros de todo o meu corpo eram testemunhas desse maldito universal já dito. A vista descortinava só uma figura: esta umas vezes era homem, outras animal imundo, outras cachorro, outras bode, ou cabrito, outras cavalo”, só estas e não mais. Principiava turpia (os atos torpes), verbigratia (por exemplo), perfiguram humanam (pela figura humana) e vinha-me à cabeça sugestão de outra figura”, sem eu dizer palavra, já virava aquela figura que habebam in corde (tinha no coração), e logo o universal próprio de cada um. As ladainhas das blasfêmias iam sempre acompanhando a qualquer universal, não só antes de entrar aos atos torpes, mas sempre pelo decurso deles e nunca a língua ficava impedida,ainda que servida a boca como tenho dito. Chamava-o meu Senhor e o tinha por Deus e Senhor. Não mais cria que havia Deus, nem inferno, nem cousa alguma da fé. Entregava-lhe a alma e o corpo. Chamava-o meu Senhorzinho, minha vida, meu coração. Cria e dizia-lhe que só ele me daria o céu. Que só ele me criou, me remiu, e que não outro criara o céu, nem a terra, nem a mim. Que Jesus Cristo era um corno, um filho da puta’ e outros nomes e tremendas blasfêmias. Isto foi sempre pelos anos do meu infame comércio e ensinos de Mestra Cecília. Perguntou-me ela na primeira vez, que eu fui a fazer o cerimonial que tenho dito na véspera de São João, se tinha vindo o Homem. Neguei-lhe eu. E refinou ela o ensino dizendo: e, pois põe nos quatro cantos da casa quatro potes, um em cada canto, vazios. Pega por uma parte e vai correndo até o último, dizendo na boca de cada pote: Salve, salve, salve, chegando ao último dize: Salve Lúcifer. E logo de dentro há de sair um Homem. E lhe fiz assim, e assim foi: me pareceu que dentro do quarto pote, apenas proferi, saiu logo esse Homem. E lhe fiz as adorações e respeitos costumados e o mais que ela me tinha ensinado.

Entre os primeiros dois dias, a saber, véspera de São João nesse ano, que não sei ao certo a era, pois nós mestiços escravos, pretos, etc, não tomamos conta das eras, entre esses dois dias, minha irmã Josefa Linda, tendo-me ensinado também as Ladainhas da Mestra Cecília, por uns dias antes, me mandou que fosse pelas mesmas doutrinas a uma parte junto da nossa casa, que ali me havia de aparecer aquele Homem que tinha assim e assim, etc, com as mulheres. Mostrava ela que não sabia de Cecília ou fazia que não sabia, sendo que eu julgo a sua Mestra foi a mesma Cecília. E tinha já esta discípula, Mestra. A minha dita irmã disse que eu me pusesse de joelhos quando ele aparecesse e batesse nos peitos: o que também tudo me tinha já ensinado a Mestra Cecília. Depois que vim comprada da Mocha para esta fazenda das Cajazeiras, distante da vila da Mocha mais de sessenta ou setenta léguas, e para donde minha irmã Josefa Linda tinha vindo também comprada dois anos antes, a vim achar mais com duas discípulas, uma chamada Teresa mulata, também escrava do Capitão Mor dito meu Senhor, e esta tal Teresa, filha do Pai João e de sua mulher Leonor, todos escravos, e a outra segunda discípula, chamada Agostinha mulata, filha esta de Luiza, mulher solteira, escravas mãe e filha do mesmo Capitão Mor. Estas duas discípulas de minha irmã Josefa Linda já mestras pelo que parece do conteúdo, porque nós todas quatro, a saber, eu, Joana Pereira, minha irmã Josefa Linda, Teresa Mulata (e) Agostinha Mulata, nós todas quatro, a maior parte das noites, vamos de companhia umas atrás das outras, cada uma com o seu em figura de Homem à Mocha destas Cajazeiras ao lugar da vila chamado o Enforcado, acima dito, andando e desandando a distância das léguas mencionadas. A mim parece-me ir de pé, mas eu sem dúvida sou levada não sei como, por que dentro de brevíssimo espaço, nos achamos todas quatro no limpo do Enforcado que está ao lado da vila da Mocha, partindo das Cajazeiras a horas de Ave Marias. Estamos dilatado espaço no tal lugar do Enforcado, donde está já como superiora de todo o Congresso a Mestra Cecília, sentada em um como banco ou tripeça. Chegamos e lhe vamos todas quatro tomar a bênção. O congresso é numeroso de mulheres trazidas como suponho, da mesma sorte, de várias partes de terras distantes, mas eu as não conheço, não lhe sei os nomes. No Congresso há mulheres de todas as cores e castas. Também aparecem homens: mas estes julgo, não serem homens, mas Demônios em figura humana. Fora de nós quatro, as mulheres que ali se ajuntam e eu conheço, são Mariana, filha da Mestra Cecília, Aniquinha, mulher branca e solteira e que mostra ser de idade, uma mulata chamada Maria Josefa, que dizem na Mocha ser ela casada, mas não sei de donde ela tinha vindo para a Mocha. Estas as que ali conheço e moradoras na Mocha. Todo o mais Congresso de tantas mulheres não conheço, não sei o nome, nem donde vem ter a esse lugar do Enforcado. Não nos falamos mais que estas palavras que nos dizemos umas às outras: Camaradas, nós vimos aos nossos amores. Depois de assim juntas nesse Congresso e cada uma com o seu, se fazem como cerimoniais, as adorações e arrenegações, etc, depois de a Mestra Cecília dizer em voz alta para todo o Congresso estas palavras: Entremos na nossa Vida Nova. Feitos os cerimoniais, se fazem as torpezas cada um com o seu, e de todas as sortes universais: o que passa por mim, julgo passar pelas demais, ainda que nenhuma do Congresso m’o tenha dito, exceto as minhas Mestras, pois me disseram aos tempos de ensino, que aquele Homem fazia de muitas sortes com as mulheres. Ali estamos nesses infernais exercícios dos Demônios até cantar o galo. A Mestra Cecília umas vezes parece ficar sentada no seu banco; outras, com o seu, que aparece por detrás dela sentado e virado costas para costas da Mestra Cecília; outras julgo fazer o que faziam todas as mais do Congresso cantando o galo. Ao despedir de tal lugar do Enforcado para nos irmos cada uma para sua estância donde tinha vindo, dizia Mestra Cecília estaspalavras: Acabou-se a nossa Vida Nova, bem nos podemos ir embora. Logo desandava eu com as três ditas (companheiras) as sessenta ou setenta léguas e nos achávamos logo nas Cajazeiras tão distante da Mocha. E se nos abriam as portas, que estavam fechadas, não sei como. Nisso não senda cansaço posto que de pé, nem na volta nem na ida. Dos Sacramentais, a saber, da água benta, me ensinaram a fugir. Eu dizia dela blasfêmias, que era uma água choca, sem virtude e água de todos os diabos, etc. A missa, quando alguma vez a fui ouvir (que foi rara), e quando muito para comungar ou para mostrar que cumpria com os sacramentos ele uma vez ao ano, os quais sacramentos eu já não cria. Na igreja sempre o Demônio em figura humana se punha diante de mim, virado com o rosto para mim. E as adorações que havia de fazer a missa e a Deus sacramentado, o fazia pata ele, blasfemando e orando em ódio contra todos e contra todas as cousas de Deus. No comungar, como não podia deixar de tomar o lavatório, por me não pressentirem os circunstantes, o engolia para baixo, mas ao depois, cuspia por escárnio e desprezo do Santíssimo Sacramento, com quem não cria e dele arrenegava. Depois de eu vir da Vila da Mocha para as Cajazeiras, com má intenção, e para induzir, contei por via de conto, diante de três pessoas desta casa de meu senhor Capitão Mor, a saber, diante de duas escravas da casa, uma chamada Isabel Maria, outra Margarida Barbosa e outra moça branca da casa, e ainda parenta do dito Capitão Mor, filha de uma sua sobrinha Ana Maria, e de seu defunto marido José de Almeida, chamada Maria Leonor, que eu tinha ouvido, que lá na Mocha havia mulheres que tomavam Tundá com o Demônio. E que para o tomarem, haviam de ir bater com as partes prepósteras na porta da igreja. E que logo haviam de ir para as covas de algum defunto. E que ali vinha o Demônio em figura de bode commisceri cum Illis prepostere (ajuntar com elas pela traseira). Mas não dizia mais, nem mais eu contava e o contava como de ouvida por me encobrir, mas a tenção e fim eram para ver se alguma inclinava para isso. Mas como não inclinavam, não prossegui eu a mais que estes contos por vezes, nem sei que tenha havido mais, nem sei mais que me lembre. E até aqui a denúncia de mim mesma e de todas as mais que tenho dito. E eu tenho entrado no conhecimento das minhas cegueiras e tornado para a verdadeira fé de nossa Mãe a Santa Madre Igreja Católica. E tenho pena de ter caído em tão profundos abismos. E resoluta a antes morrer que tornar as ditas cegueiras. E peço ao Santo Tribunal se compadeça de mim, que por poucos miolos e verdes de rapariga e mal educada, vim a dar neste abismo. E pedi ao Padre Missionário diro esta me escrevesse e fizesse em meu próprio nome, o qual depois de assim escrever, m’a leu muito devagar e encarregando-me em tudo verdade, singeleza e lisura, e acho estar na verdade, a qual subsigno com a minha cruz em meu nome por não saber ler nem escrever e eu o Padre Missionário da Companhia de Jesus do Estado do Maranhão que escrevi a rogo da denunciante e juntamente per si denunciada, conforme o que me pedia. E ela depois de eu lha ler, disse estava na verdade. Sítio das Cajazeiras, 27 de abril de 1758.
Joana + Pereira
O Padre Missionário Manuel da Silva, Religioso da Companhia de Jesus”

Luiz Mott informa que “Segundo nossa maior expert em demonologia colonial, a Dra. Laura de Mello e Souza, professora livre-docente da USP, inexplicavelmente o Sabá não teria migrado para a América Portuguesa, já que nossos feiticeiros e calunduzeiras teriam privilegiado outras formas de sincretismo medieval e afro-ameríndio, incluindo práticas e rituais heterodoxos, como as bolsas de mandinga e patuás, os calundus, as cartas de tocar, as orações fortes, os pactos com o Demônio, o quimbando, as curas de quebranto, etc”. Assim, é que não se registra outro caso de sabá no Brasil que não o ocorrido em Oeiras.

É preciso ver que, segundo Luiz Mott, “os eclesiásticos da Colonia agiam com maior rigor e intolerância que os próprios lnquisido­res”, de modo que prendiam e sequestravam “arbitrariamente por delitos que o Tribunal da Fé depois mandava libertar”.

Para mim, o mais provável é que a escrava desconhecesse o teor do documento, já que nem sabia ler e nem escrever, e tudo isso não passe de fantasias de um padre fanático, que queria prejudicar, por algum motivo, a cativa. É possível, ainda, que tenha ela sido vítima de torturas indizíveis para afirmar isso.

A historiadora Carolina Rocha Silva, ao analisar referido documento, se pergunta “Até que ponto o padre douto, professor de filosofia e teologia, transferiu seu arsenal teórico sobre sabás para a manifestação mágico-religiosa que assistiu no Piauí? Por que o padre escreveu a denúncia e enviou-a a Inquisição Lisboeta? Qual era a relação do padre com os colonos proprietários das escravas em questão? Quem eram de fato essas mulheres, o que pensavam e o que sentiam? Em que circunstâncias essas mulheres confessaram suas culpas ao jesuíta?” e conclui dizendo que “quanto mais os tratados de demonologia foram difundidos ao longo do tempo, mais casos de bruxaria surgiram. Assim, o processo de caça
às bruxas, termina por fabricar a própria bruxaria. Teólogos e inquisidores elaboraram esquemas de interpretação acerca das crenças populares, que não conseguiam compreender, para construir a imagem da feitiçaria diabólica. E, dessa forma, a Inquisição e os juízes também modelaram depoimentos e influenciaram comportamentos. (…) Provavelmente, nunca se saberá se o tal “sabá” existiu ou não. No entanto, a verdade não é o valor mais importante a se buscar, mas sim, a sensibilidade que permite ao pesquisador explorar sistemas mentais distantes no tempo e no espaço. Não se pode tocar e nem mudar o rumo das vidas que ousamos analisar e compreender, por mais que as vezes elas parecem se mover e falar diante de nós”.

Por outro lado, no Piauí, como no Brasil, a maioria das denúncias era ignorada. Longe do “problema”, o Tribunal nem sempre dava atenção ao que ocorria no Brasil, de modo que muitos casos foram arquivados sem punição ou por falta de provas ou porque o Tribunal simplesmente nada fez. No Piauí, até onde se sabe, nem sequer uma pessoa foi levada à fogueira.


Inquisição

O Tribunal da inquisição, para quem não sabe, foi um órgão julgador criado pela igreja para julgar acusações de práticas de pessoas que contrariassem a doutrina da igreja católica. Julgavam os suspeitos, sem lhes dar o direito de ter ciência de quem os acusara, sendo que a grande maioria era condenada com total ausência de provas racionais, enfrentando julgamentos preconceituosos, e a pena variava de prisão temporária à prisão perpétua, ou até mesmo a morte.

Cientistas de tempos antigos foram perseguidos por dizer que a terra era redonda ou mesmo por dizer que a terra não era o centro do universo, e outros eram perseguidos por simplesmente não acreditar no Deus único formado pela trindade sagrada ou por adorar outros deuses, enquanto outros eram considerados bruxos, entre outras acusações. Tudo o que afrontava as normas e ensinamentos da Igreja poderia sofrer punição. Em outros casos, bastava adotar uma prática que a igreja não conseguisse explicar para ser vítima de referido Tribunal.

Com o tempo, esta forma de julgamento foi ganhando cada vez mais força e tomando conta de países europeus como: Portugal, França, Itália e Espanha. Contudo, na Inglaterra, não houve o firmamento destes tribunais. O império de terror da Inquisição durou até 1821, quando o Tribunal foi desativado pela Igreja.

Sendo o Brasil uma colônia de Portugal, o império da inquisição, depois do apossamento (que alguns chamam de descobrimento) chegou às nossas terras, havendo inúmeros casos registrados e farta literatura produzida sobre o “Tribunal do Santo Ofício” no Brasil. Pouco se sabe, contudo, sobre a atuação da inquisição em terras piauienses. Sabe-se que as denúncias foram efetuadas diretamente ao Tribunal instalado em Lisboa (desde 1536), pois nunca foi instalado um em terras do território brasileiro. Um estudo revelador da atuação da inquisição em terras piauienses foi realizado pelo antropólogo, historiador e pesquisador Luiz Roberto de Barros Mott, natural de São Paulo radicado em Salvador desde o final dos anos 70. Segundo o pesquisador, ele e sua equipe encontraram na torre do tombo, onde ficam guardados documentos antigos em Portugal, registro de pelo menos 21 (vinte e um) moradores do Piauí que foram denunciados ao Tribunal da Inquisição em Lisboa.

Passaremos a descrever aqui alguns desses casos para registro e conhecimento pelo povo do Piauí, tendo em vista que, em dias atuais, muito pouco se sabe a respeito da atuação da inquisição em nosso Estado.


Dionísio da Silva, o primeiro morador do Piauí na inquisição

Oeiras, a primeira capital do Estado do Piauí, encontra sua origem na instalação, em torno de 1670, da Fazenda Cabrobró, por Domingos Afonso Mafrense. A patir daí iniciou-se o crescimento de um núcleo populacional que se tornaria a Mocha, que, em 1712, seria elevada à categoria de Vila, e, só em 1761 é que a Vila da Mocha é elevada à categoria de cidade, passando a se chamar Oeiras, mesma ocasião em que o Piauí e desmembrado do Maranhão e passa a se chamar de Capitania de São José do Piauí, em homenagem ao rei D. José.

O primeiro caso registrado no Piauí, se deu ali, na Vila da Mocha (antes, portanto, de se chamar Oeiras). Dionísio da Silva tinha vindo da Paraíba e se instalado ali em busca de melhores condições de vida. Era ele membro de uma família tradicionalmente judaica, que se tinha convertido em Cristãos novos para escapar das garras da inquisição. Embora diante de todos praticassem os ritos católicos, mantinham, em casa, alguns ritos próprios da religião judaica: guardavam os sábados, não comiam a carne de alguns animais considerados impuros pelo judaísmo e jejuavam em alguns dias conforme o determinado pela Lei de Moisés.

Ainda na Paraíba, seu pai, José Nunes, repreendia o filho quando o via praticar as doutrinas do catolicismo dizendo “que não devia adorar a um Deus que foi açoitado e morreu” e, certa vez, teria agredido uma imagem da Virgem Maria com uma faca. Por causa disso, quase toda a família foi condenada: seu pai, três tios e uma sobrinha foram presos em 1729. No ano seguinte, foge para o Piauí, tentando livrar-se do Tribunal. Era ainda um adolescente, quando se fixou na Fazenda das Éguas, Ribeira das Guaribas, onde começou a trabalhar como vaqueiro. Ali casou-se e teve filhos. Quando foi encontrado pela inquisição, parecia viver como bom praticante da fé cristã, conforme depoimento de testemunhas, entre elas um juiz. Em 1741 é preso pelo mesmo juiz por ordem do tribunal
da Inquisição. São chamadas algumas testemunhas de acusação, entre elas Dionísia da Fonseca, prima do réu, que confirma que ele, quando jovem, praticou rituais judaicos. Em 23 de janeiro de 1744, o vaqueiro é colocado em um potro (instrumento de tortura utilizado pela inquisição, uma espécie de cama onde o réu era amarrado pelas pernas e pelos braços apertadas por correias de couro que provocavam insuportáveis dores e hematomas), afim de expiar seus pecados enquanto aguarda julgamento. Ali, durante dias, gritava pela ajuda de Jesus e Nossa Senhora, até que, em 21 de junho do mesmo ano, foi condenado a abjurar seus erros judaicos, cumprir penitências espirituais (rezar salmos, comungar e confessar nas principais festas litúrgicas do ano) e a usar uma roupa que o identificaria como pecador para sempre, chamada sambenito (as pessoas que a usavam eram vítimas, durante toda a vida, de enormes preconceitos sociais).


Padres denunciados

O padre José Aires foi condenado por exceder aos poderes que lhe foram outorgados pela igreja e agir em nome do Tribunal da Inquisição, condenando pessoas sem que tivesse poder para tanto, o que o tribunal não tolerava, sendo preso em 17 de Abril de 1742 e levado a Lisboa, onde confessa seus pecados e é condenado a três anos de degredo no algarve (extremo sul de Portugal), onde os inquisidores castigavam os réus de práticas mais leves. Após dois anos vivendo ali, oficia ao Tribunal alegando que não está se dando bem com o clima de inverno rigoroso pois estaria acostumado ao calor dos trópicos brasileiros, de modo que o tribunal dele se compadece e comutam sua pena em 18 de novembro de 1746, saindo dali ileso, sem tortura, nem sequestro de bens.

O Padre Antonio Henriques de Almeida Rego, sacerdote português que morava na Mocha, foi denunciado por não guardar os segredos relativos às diligências do Tribunal, tornando públicas as informações das correspondências que a Inquisição lhe enviava de Lisboa, conduta gravíssima, eis que o sigilo era necessário para a ação do Tribunal.

O tribunal, especialmente após a Reforma Protestante, punia sacerdotes que usavam do confessionário para tentar seduzir as penitentes, numa tentativa de moralizar a igreja, que perdia adeptos.

Assim, no distrito de Parnaguá, o Padre Valentim Tavares Lira, morador da Ribeira do Gurguéia, é acusado pela parda Joana, casada com um homem branco querido no lugar, de tê-la tentado seduzir muitas vezes quando ia se confessar. Na mesma localidade, em 1745, o Padre Antonio Esteves Ribeiro é denunciado por Mariana da Figueira, uma mulher então solteira, por ter convidado a moça a ir a sua casa quando esta fora confessar-se de pecados contra a castidade. Frei Eusébio dos Prazeres, frade franciscano, foi denunciado por, quando passou pela freguesia da Santo Antonio da Gurguéia, tocar nos peitos de Inácia da Conceição, e por meter a mão na saia da escrava crioula Francisca Gomes, antes de absolvê-la. Este, todavia, antes de ser julgado, veio a falecer em 1756.

Bigamia

Em 1760, quando D. Frei Antonio de São José, bispo do Maranhão, percorreu os sertões da Mocha, a ele foram denunciados Joaquim de Santana, pardo, sapateiro, natural da Bahia, e Manuel Duro, vaqueiro da Fazenda das Guaribas, foram denunciados por terem se casado uma segunda vez estando ainda viva a primeira esposa de ambos, mas tais denúncias não mereceram maior atenção do Tribunal por falta de provas convincentes.


Atos contra a fé católica

No sertão do Piauí, no ano de 1760, havia um padre, de nome Luiz Teixeira Aguiar, que foi até uma fazenda para tomar confissões. Havendo muitas pessoas a serem ouvidas pediu que algumas pessoas procurassem o frade carmelita Frei Manuel da Trindade Barreto. O pardo João Veloso, aproveitando-se da calada da noite, vestiu os trajes do frade, e em quarto sem luz, ouviu as confissões da mulata Honesta, escrava donzela de 20 anos, a qual percebendo que fora enganada começou a chorar, levantando-se dos pés do falso frade. Em razão disso, que era considerada uma falta grave,, fora denunciado ao Tribunal da Confissão, sendo que ele mesmo se acusou perante o Comissário de São Luiz.

Francisco Inácio de Sidee Melo, Mestre do Campo e virtual Governador do Piauí, foi denunciado à Inquisição pela própria esposa por, supostamente, dizer sempre estar convicto de “não haver inferno e que a alma é mortal”, tendo ela afirmado ainda que ele fazia isso em frente ao filho pequeno, dando mal exemplo . Após o processo, contudo, a Inquisição concluiu que tudo não passou de uma tramóia de uma esposa vingativa revoltada com as traições conjugais do marido.

José Francisco Souto Maior, natural de Pernambuco, morador da Vila de São João da Parnaíba, é acusado à Inquisição por proferir heresias, dizendo “que Deus tinha obrigação de salvá-lo .posto que o criara; que os mártires eram tolos, pois devemos defender à vida acima de tudo; que homem nenhum ao mundo não se deixou cair no 6º. mandamento e perante o Santíssimo Sacramento dizia: eu vos adoro se aí estais” Esta denúncia ocorreu já em 29 de janeiro de 1802, a única havida no Piauí no século XIX e, até por o tribunal a essa época encontrar-se já moribundo, ficou arquivada sem que se aplicasse qualquer punição ao homem. As idéias anti-religiosas da Revolução Francesa também já encontravam seguidores no Piauí, a exemplo deste homem, que foi o último caso a ser denunciado à Inquisição no Piauí.


FONTES:

CAVALCANTE, Kleber G. “Galileu: Da Ciência à Santa Inquisição”; Brasil Escola. Disponível em:

COUTINHO, Reinaldo. Arrepinante: a convenção das bruxas em Oeiras. Disponível em: 

FERNANDES, Cláudio. “Inquisição no Brasil Colônia”; Brasil Escola. Disponível em <http://brasilescola.uol.com.br/historiab/inquisicao-no-brasil-colonia.htm>. Acesso em 17 de abril de 2017.

INQUISIÇÃO. In: Wikipédia. Disponível em: <https://pt.wikipedia.org/wiki/Inquisição>. Acesso em 17 abr 2017.

MOTT, Luiz. INQUISIÇÃO NO PIAUÍ. Disponível em: 

MOTT, Luiz. TRANSGRESSÃO NA CALADA DA NOITE: UM SABÁ DE FEITICEIRAS E DEMÔNIOS NO PIAUÍ COLONIAL. Disponível em: 

O QUE FOI A INQUISIÇÃO? In: Mundo Estranho. Disponível em: 

SILVA, Carolina Rocha. O SABÁ DO SERTÃO: FEITICEIRAS E DEMÔNIOS EM CONGRESSO NOTURNO NO PIAUÍ COLONIAL (1750-58) . In: ANAIS do II Encontro Regional GT Religião e Religiosidades da ANPUH PR / SC & da 40ª. Semana de História DEHIS/ UEPG. Religião, Cultura e Identidades. 01 a 04 de novembro de 2011. Ponta Grossa : Editora Aos Quatro Ventos, 2011. p. 211-231. Disponível em: 






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