terça-feira, 25 de janeiro de 2022

A Guerreira e o Senhor do Portal



Tudo é descontinuado, tudo é arido e estranho,
Não encontro os ecos das palavras que pronuncio
Não vejo a sombra das árvores que plantei

Ó criatura insana!...
Então esperas encontrar o que
te é de direito neste mundo em que vives?
Estás no mundo errado!
O mundo que te cerca não é real
e se o tens como verdadeiro,
descobres que ele não o é
a cada resposta que recebes.

Ninguém e nada te dará felicidade
neste mundo onde vives
Serás sugada com volúpia pelos egos
viciados dos seres que nele habitam"

Sei que não poderei adiar por muito tempo
a partida, terei que virar a página
numa despedida definitiva e seguir estrada,

não para o teu mundo, seguir a minha estrada...
Sei que a cada decepção a hora se aproxima
e não mais ouvirás estas minhas queixas,
nem saberás o que estarei pensando
e não poderás mais me chamar de insana,
pois não me ouvirás e nem eu te ouvirei...

Serei eu só, com a minha verdade,
não quero a tua, nem a de ninguém.
Tu, ó Senhor do Portal não podes me ajudar,
mas também nada a ti pedirei, não te iludas...

"Nada tenho para te dar criatura,
pois o que queres já tens.
Tens todas as chaves, podes abrir as portas
por onde quiseres passar, mas tu não as usa.

Esperas encontrar as portas abertas,
e esqueces que tu mesma possui as chaves
para abri-las, e também para fechá-las... "

"Lembra que para que uma porta se abra
primeiro tens que fechar a outra.
Esta é a regra e tu sabes disso!
Mas tu não tens coragem suficiente
para fechar a porta...
Então permaneces parada
frente à nova porta que queres ultrapassar,
esperando que ela por si, se abra para tu passares...
Pensas que as tuas lágrimas a farão se desintegrar.
Causas-me riso aprendiz de guerreira..."

Sei que tenho que fechar primeiro a porta,
e o momento se aproxima...
Sei que me ouvirás por onde eu for,
e sabes que gosto de ti.

Não confessas, mas gostas de mim.
És incisivo nas verdades, porque me amas.
Provocas-me e sorris, porque sabes
que terei novas batalhas a enfrentar.

Tu continuarás a ser o Senhor do Portal,
Dirás que já me destes todas as chaves

Relembrarás as regras...
Preparo a partida, não está longe,
terei que fechar a porta, deixar tudo para trás.
Fecharei a porta e nesse momento ela se desintegrará...
Adeus Senhor!... Até o próximo Portal

"Até breve aprendiz... "
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sábado, 2 de janeiro de 2021

Identidade e Natureza

Paganismo no Brasil: 



Começo afirmando categoricamente que a espiritualidade é algo único, cada um tem a sua, não há fórmulas prontas para trilhar o caminho da espiritualidade, não é mesmo?
No Paganismo então, isso é expresso muito abertamente. Aliás, o Paganismo é um caminho espiritual que oferece uma certa liberdade: você pratica solitariamente, ou em grupo; você está numa relação de discípulo-mestre ou você é auto-didata; você presta homenagem aos deuses do panteão egípcio ou você acende uma vela para Dionísio aqui e outra para Shiva ali, etc.; você faz rituais seguindo a roda do hemisfério Sul, Norte ou ainda pode misturar as duas; você pode ter diversas versões do mesmo fundamento mágico... enfim, são muitas coisas.
 
Acho que isso é esperável tratando-se de uma religião que não é UMA religião só e sim muitas, variando no tempo e no espaço, que não possui uma organização vertical para ditar dogmas, e é tão antiga quanto a humanidade, além de ter sofrido uma série de distorções e censuras ao longo do tempo, como a que a santíssima inquisição causou.

Mas peraí! Isso não é motivo para passar por cima de certos fundamentos! Ou pelo menos deveríamos ficar mais atentos a eles e refletir sobre nossas concepções e práticas. Uma das preciosas vantagens dessa "liberdade de crença" dentro do Paganismo é que não precisamos ser adestrados a acreditar para sermos aceitos, nós podemos refletir e aceitar de coração aberto.
Então vamos refletir sobre duas questões que já dão o que falar:

Uma delas é a velha e polêmica "seguir a roda do norte, a roda do sul, ou roda mista?". Ok, vamos voltar a um fundamento do Paganismo: é uma religião de adoração/ celebração dos ciclos da natureza. Esta é uma das características básicas de qualquer vertente pagã. E que natureza é esta? Para mim está obvio que esta natureza é o chão que você pisa, é a água que você bebe, as frutas que te alimentam, o ar que é brisa ou ventania, é o sol ou a chuva que você toma... ou seja, é a natureza que está aqui, no meio ambiente em que você vive, é sentir mais frio no solstício de inverno, é sentir as fogueiras de "Beltane" no desenrolar da Primavera...
Logo, não vejo sentido comemorar calor/ expansão enquanto a terra está fria e em recolhimento, em nome de uma suposta "egrégora". Não esqueçamos que somos nós humanos que criamos e REcriamos egrégoras, muito mais poderosas são as energias que emanam da natureza!

Outra polêmica ainda mais delicada e subjetiva é da identidade no paganismo. Aliás, não só é complicado falar sobre isso por ser uma questão subjetiva espiritual, mas também até certo ponto política. Mas o detalhamento da questão política fica para outro post...

O que mais vejo por aí são pagãos claramente de origem racial negra e/ou ameríndia identificando-se como "pagão celta"/ "pagão nórdico" / "pagão etrusco", -tudo- menos um paganismo com bases africanas ou ameríndias. Ora, nada contra uma pessoa afro-descendente se identificar e prestar homenagens à deusa celta Brigit ao invés da deusa africana Iemanjá, por exemplo! Acho isso perfeitamente cabível, já que a espiritualidade é muito pessoal.

Porém, observemos um fundamento do Paganismo: é uma religião de honra aos ancestrais.
  • Os ancestrais são seus entes familiares que já se foram e que fundaram sua família; 
  • Os ancestrais são os Deuses da(s) cultura(s) que deu/ deram origem a você. 
  • Os ancestrais são os Antigos que habitaram esta terra antes de nós, independente de termos uma ligação cultural ou espiritual com eles ou não. 


Visto isso, mesmo que um pagão não honre todos seus ancestrais, ele lhes deve no mínimo consideração. [Consideração abrange uma série de posturas, reflita leitor.] Penso que seja um paradoxo [num exemplo bem ilustrativo] um pagão que mora na terra Brasilis, sabendo que tem uma origem mestiça, viver num suposto mundo "nórdico", sonhando em ser viking nas geladas florestas coníferas, empunhando uma bandeira da Noruega, tomando hidromel no chifre em honra a Odin, sem sequer lembrar que seu bisavô era índio e reverenciava Bep Kororoti; que sua pele é parda e seu cabelo é crespo; que sua língua-mãe é o português; que é dezembro e que o Sol está queimando como fogo; que no inverno a maioria das árvores a sua volta deram outros sinais em vez de queda de folhas; que aqui nas matas tem caipora e tem caboclo...

A questão aqui não é que "se nasceu no Brasil tem que acender vela pra caboclo..." de forma nenhuma, ninguém precisaria deixar de lado sua admiração e afinidade com a cultura e religião de outras terras, mas, tantas riquezas pessoais e locais que poderiam ser acrescentadas a essa afinidade espiritual com terras distantes, são ignoradas e muitas vezes, pasmem, desrespeitadas!

Para que tentar ser "o outro", ser algo que você já nasceu não sendo, se você pode ser você mesmo? É no mínimo um paradoxo, para não dizer uma farsa.

Como pagãos, devemos sim, respeitar os ancestrais da terra, no mínimo honrando sua memória ao fazermos rituais ou oferendas.

Quem vos escreve é Falcão Marrom: simpatizante da magia rúnica; devota da deusa nórdica Freyja; com ancestralidade marcadamente ameríndia tupi e comprovadamente hispano-lusitana; admiradora das religiões de raiz africana e bastante afim com a energia do orixá Iemanjá; quando precisa canta mantras em gratidão ou prece a deusa hindu Saraswati e quando cabe, usa seu cachimbo xamânico em rituais. E etc., cada coisa no seu tempo-espaço apropriado.

Não me sinto menos pagã por essa diversidade, aliás me sinto mais pagã do que nunca, alinhando-me e conhecendo os ciclos da natureza que me nutre e reverenciando a minha ancestralidade e honrando os ancestrais donos da terra.

~~Bons Ventos~~


Autoria: Lu Falcoa

 
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segunda-feira, 31 de agosto de 2020

A fé e o fogo






Durante quase 700 anos, a Igreja e Estado se uniram numa prévia do totalitarismo

Por Eduardo Szklarz

Ainda era madrugada quando uma multidão tomou conta da Plaza del Volador, na Cidade do México, naquele 11 de abril de 1649. Muita gente tinha viajado dias a fio para garantir um dos 16 mil assentos perto do palco – uma gigantesca plataforma de 860 metros quadrados adornada com figuras de crianças tocando trombetas. Depois de um mês de preparativos, chegara o dia do auto-de-fé, a representação terrena do Dia do Juízo. A grande atração da festa eram 13 prisioneiros acusados de professar o judaísmo em segredo. Eles já haviam sido perdoados uma vez, mas reincidiram no crime. Os inquisidores os chamavam de “relaxados ao braço secular” – ou seja, saíam da responsabilidade da Igreja para serem mortos pelas autoridades do governo.
Ao amanhecer, a procissão com os acusados deixou a sede do Santo Ofício em direção ao palco para a celebração da missa. No começo da fila, 57 bonecos (as “efígies”), que representavam hereges fugidos ou já mortos, eram carregados. Depois iam dezenas de prisioneiros “reconciliados”, que teriam direito de viver desde que não voltassem a cometer heresias. Atrás deles, os 13 condenados à morte, segurando uma cruz e vestindo um chapéu em forma de cone (chamado coroza) e o sambenito (túnica com desenhos do demônio). Os inquisidores, a cavalo, vinham por último na fila do cortejo, seguidos por uma mula enfeitada com sinos de ouro e prata, que carregava um baú com os relatórios dos processos e as sentenças dos acusados.
Depois da missa, os relaxados ouviram sua sentença de morte no palco. Quase todos garantiram ser bons cristãos e pediram misericórdia. Apenas um, Tomás Treviño de Sobremonte, admitiu que era judeu e não implorou perdão. Por isso, foi queimado vivo. Os outros tiveram um destino mais piedoso: o garrote – e só depois foram jogados, já mortos, na fogueira. Os bonecos também arderam nas chamas. Como os hereges que eles representavam não estavam presentes, esse ritual era chamado de “queima em efígie” e, na prática, servia para encher de vergonha seus parentes e descendentes. Já os reconciliados receberam penas “leves”, como açoites, torturas e confisco de bens. A festança varou a noite, com a plateia alvoroçada.
O auto-de-fé de 1649 foi talvez o maior já realizado nas Américas. Mas hoje os historiadores sabem que espetáculos assim eram apenas a ponta do iceberg do que realmente foi a Inquisição. Agindo em nome de Deus, mas movida por interesses políticos e econômicos, ela espalhou o medo e a discriminação ao longo de quase sete séculos. Os inquisidores e seus representantes agiram na Europa, Ásia e América, lugares tão variados como as vítimas que perseguiram: judeus, muçulmanos, hindus, protestantes, bruxas, bígamos, sodomitas ou quem quer que cometesse o crime de ser ou pensar diferente.
Origens medievais
Os historiadores fazem distinção entre a Inquisição medieval (ou papal), que vigorou na França, Itália e outros países europeus a partir do século 13, e a Inquisição moderna, que alcançou seu apogeu na península Ibérica entre os séculos 15 e 18. “Não há uma data certa do início da Inquisição medieval. Ela foi fruto de uma longa evolução na qual a Igreja se sentiu ameaçada em seu poder”, diz a historiadora Anita Novinsky, autora de Inquisição. “Os questionamentos sobre a verdade absoluta do catolicismo aumentaram a partir do século 13, e os indivíduos que partilhavam dessas idéias eram chamados de hereges.”
O termo “heresia” vem do grego hairetikis, que significa “aquele que escolhe”. De fato, na Grécia antiga a heresia era apenas uma escolha do que a pessoa achava melhor para si, sem qualquer conotação religiosa. Na Idade Média, porém, a Igreja expandiu esse conceito de tal forma que a heresia passou a abranger todas as opiniões contrárias aos dogmas católicos. O combate aos hereges começou a tomar forma com um tratado escrito no século 12 pelo abade Pedro, o Venerável, que chefiava a abadia de Cluny, na região francesa da Borgonha. Ele afirmava que, para eliminar a heresia do seio da Igreja Católica, que chamava de “Corpo de Cristo”, era necessária uma purgação, composta de quatro fases: investigatio (investigação), discussio (discussão), inventio (achado) e defensio (defesa). Aquele era o passo-a-passo da futura Inquisição. “Desse modo, o tratamento aplicado à infecção no Corpo de Cristo começava com pesquisas [daí o termo ‘inquisição’] que os bispos e seus representantes realizavam antes da criação de tribunais especializados”, diz o historiador britânico John Edwards, da Universidade de Oxford. ⇨


Confissão forçada
Principais métodos de tortura


► A Roda
Para forçar a vítima a falar, os inquisidores amarravam-na na parte externa da roda com brasas embaixo. Assim, o corpo era queimado à medida que a roda ia girando. As articulações também 

 
 sofriam sérios danos. Essa tortura foi muito utilizada na Inquisição medieval, em países como Alemanha e Inglaterra. Outra verso da roda tinha ferros pontiagudos, em vez de brasas, para rasgar a pele.
► O Potro
O réu ficava deitado sobre uma cama com ripas, com pernas e braços amarrados por cordas. Usando um arrocho, os torturadores apertavam as cordas até dilacerar a carne. Como os métodos de confissão eram mantidos em segredo, os inquisidores evitavam utilizar essa tortura nos 15 dias anteriores ao auto-de-fé, para que o povo não visse as cicatrizes do réu.
► O Pêndulo
A vítima era amarrada pelos pulsos, atrás das costas, com correias de couro. Em seguida, era levantada por cordas e roldanas, solta bruscamente e segura de novo antes de o corpo alcançar o solo. Os solavancos destroncavam as juntas e podiam aleijar. Esse tormento tinha variações, como a polé: a vítima era amarrada também pelos tornozelos e erguida de barriga para cima.
► A Tortura d’água Nessa espécie de afogamento, o acusado era preso em uma mesa de barriga para cima. Os inquisidores abriam sua boca e jogavam água por um funil, fazendo-o engolir vários litros. Também colocavam panos molhados dentro da garganta, que podiam causar asfixia. Mas, como nos outros métodos, o objetivo não era matar, e sim forçar a confissão de heresias e a delação.

⇨ Para que a caça aos hereges surtisse efeito, era necessário o apoio do Estado. “Embora a Inquisição medieval tenha sido idealizada e dominada pelo papa, ela contou com o auxílio dos soberanos”, diz Anita. Isso mostra o caráter político das perseguições, numa época em que não havia clara separação entre Igreja e Estado. O divisor de águas nessa empreitada foi o 4º Concílio de Latrão, convocado pelo papa Inocêncio III em 1215. Seu principal objetivo era resolver o problema dos cátaros (ou albigenses), um grupo de cristãos do sul da França que contestava os dogmas da Igreja. Ficou decidido que quem se negasse a aceitar a fé católica seria excomungado e entregue à autoridade secular (ou seja, aos funcionários da coroa) para ser castigado, pois a Igreja não podia derramar sangue.
O sacerdote espanhol Domingos de Gusmão botou o plano em prática com a criação da Milícia de Jesus Cristo, cujos membros estavam dispostos a pegar em armas para defender a fé. “Esses milicianos foram os primeiros a usar técnicas de crueldade e violência, copiadas depois pela Inquisição moderna”, diz Anita. Como muitos cátaros fugiram da França para o reino de Aragão, na atual Espanha, não tardou para que os inquisidores realizassem lá violentos espetáculos de massa, que seriam os precursores dos autos-de-fé modernos – em 1314, por exemplo, seis hereges foram jogados no fogo.
O método de perseguição dos inquisidores era simples: eles visitavam os povoados, em geral acompanhados de funcionários da Justiça local, e convocavam a população na igreja principal. Cada pessoa tinha que confessar seus erros e os dos amigos e parentes no prazo médio de 30 dias. Os processos eram feitos na base da delação, dos rumores, do diz-que-diz, e contavam com espiões locais conhecidos como “familiares” – homens influentes da sociedade. Se os inquisidores não juntassem provas de heresia naquele prazo, não tinha problema: os suspeitos eram condenados mesmo assim a penas como excomunhão, confisco de bens, prisão, açoite e mesmo morte. As fogueiras davam um caráter mítico aos autos-de-fé, que atraíam o povo com promessa de redenção.
O mais famoso inquisidor medieval foi o teólogo catalão Nicolau Aymerich, autor do Directorium Inquisitorium, uma espécie de manual da Inquisição. Ele dizia que o segredo era a base do trabalho, pois protegia os delatores. A obra também “ensinava” como identificar feiticeiras e contribuiu para a histeria da caça às bruxas, um fenômeno paralelo à Inquisição que chegou ao auge entre os século 15 e 17. Os historiadores estimam que 50 mil pessoas (75% delas mulheres) tenham sido queimadas por suspeita de bruxaria, pacto com o diabo ou por “lançar mau-olhado” em províncias de países como Alemanha, Suíça, Polônia, Dinamarca e Inglaterra.
Novas motivações
“A Inquisição medieval entrou em decadência com o Renascimento no século 15”, diz a historiadora Neusa Fernandes, vice-presidente do Instituto Histórico e Geográfico do Rio de Janeiro. “Porém, ela seria revigorada na Espanha e em Portugal, perseguindo não apenas os hereges, mas sobretudo uma nova gama de criminosos: os judeus.” Mas por que eles?
Tudo começou no século 4, quando o cristianismo deixou de ser uma seita perseguida para se tornar a religião oficial do Império Romano. Já em 325, o Concílio de Nicéia culpou os judeus pela morte de Jesus (acusação só retirada em 1965, no Concílio Vaticano 2o). Boa parte dessa hostilidade procedia do próprio Novo Testamento – nele, há menções de que os judeus sejam filhos do diabo e que se culparam pela morte de Jesus. “Os Evangelhos foram escritos muitas décadas depois da morte de Jesus por pessoas que não conheciam de primeira mão os acontecimentos de sua vida, mas que viveram no clima de rivalidade que a incipiente comunidade cristã mantinha com o judaísmo”, diz o historiador americano Daniel Goldhagen, da Universidade de Harvard. Pregadores cristãos trataram de falar mal dos judeus e, assim, a Europa medieval viu crescer vários mitos: eles teriam chifres e rabos, fariam rituais com sangue de crianças cristãs e seriam os responsáveis pela peste negra. ⇨
Mundo afora Portugal e Espanha "exportaram" o Santo Ofício para suas colônias 


►Goa: o menor estado da Índia foi conquistado por Portugal no século 15 e se transformou em rota importante do comércio de especiarias. Em pouco tempo, também virou palco da mais sanguinária das inquisições portuguesas, que perseguiu principalmente hindus convertidos ao catolicismo. De 1536 até o fim do século 17, mais de 3 mil pessoas foram julgadas em 37 autos.
►Cartagena: o Tribunal da Inquisição foi criado ali em 1610 para complementar os tribunais de Lima e do México na América espanhola. Nos 201 anos seguintes, essa praia paradisíaca da Colômbia ficou conhecida pelos autos-de-fé contra cristãos-novos, bígamos e feiticeiras. Hoje é possível visitar o Palácio da Inquisição, local das mais de 500 execuções, e conhecer a câmara dos tormentos e o pavilhão das bruxarias.
►Cabo Verde: nem esse pequeno arquipélago situado a 600 quilômetros da costa africana escapou do Santo Ofício, que atuou na esteira do comércio de escravos. De 1536 a 1821, os visitadores denunciaram 233 por judaísmo, 38 por blasfêmia, 104 por feitiçaria, oito por bigamia, 85 por sodomia e 40 por desrespeito aos sacramentos. Detalhe: a população da época não superava os 10 mil habitantes.
⇨ Em 1215, o 4º Concílio de Latrão (o que condenou os cátaros) proibiu o casamento entre judeus e não-judeus, impediu os judeus de exercerem funções públicas e os obrigou a usar distintivos sobre as roupas, como a estrela amarela imposta por Luís IX na França. O anti-semitismo aumentava cada vez mais. A Inglaterra expulsou os judeus de seu território em 1290 e a França, em 1306. A Espanha foi mais dura: cerca de 4 mil foram assassinados em Sevilha apenas em 1391. Para escapar da morte, milhares de judeus espanhóis procuraram o batismo. Isso criou três novos grupos: os judeus que se salvaram dos massacres e mantiveram a fé judaica, os que se converteram ao cristianismo mas praticavam a religião secretamente (criptojudeus) e os que se converteram de verdade (conversos). Estes últimos esperavam ter todos os direitos dos cristãos. Mas, na prática, foi diferente. Eles continuaram sendo culpados pelos males da nação e ganharam o apelido de marranos (porcos).
As perseguições também tinham sua motivação econômica, já que os judeus haviam alcançado postos importantes na economia e nas universidades. A política racista imperou na Espanha através dos “estatutos de pureza de sangue”. Eles asseguravam que nenhum descendente de judeu ou mouro podia freqüentar universidades, ingressar em ordens religiosas e militares ou ter cargos políticos. Os candidatos a esses postos precisavam apresentar a “habilitação de genere”, uma espécie de árvore genealógica que mostrava que não tinham entre os antepassados nenhuma gota de sangue “impuro”. A essa altura, portanto, o velho discurso religioso antijudaico tinha virado um discurso racial contra os judeus convertidos. Cenário perfeito para o início da Inquisição moderna.
Edição moderna
Poucos casamentos mudaram tanto a história como o da rainha Isabel, de Castela, com o rei Fernando, de Aragão. A boda de 1469 deu impulso à unificação da Espanha e selou o destino dos judeus na península Ibérica. Logo que subiram ao trono, os reis católicos viram que precisavam do apoio da Igreja e da burguesia para consolidar seu poder. Também tinham de encher os cofres para expulsar os mouros de Granada, o último bastião muçulmano na península desde a invasão no século 8 pelos exércitos islâmicos. A solução? Reeditar a Inquisição, tendo agora como alvo principal os judeus convertidos, e usar os lucros dos confiscos das vítimas para financiar a guerra contra os mouros.
O plano deu certo. Em 1478, o papa Xisto IV autorizou a criação oficial do Tribunal da Inquisição na Espanha – embora duvidasse das intenções religiosas, acabou aceitando a idéia para manter a cooperação entre a coroa e a Santa Sé. “Apesar daas funções santas que alegou, o Tribunal da Inquisição foi uma instituição vinculada ao Estado e respondia aos interesses das facções do poder: coroa, nobreza e clero”, diz Anita. Sevilha foi o palco do primeiro auto-de-fé da Inquisição moderna em 1481, quando seis pessoas morreram na fogueira. Segundo o historiador espanhol Andrés Bernáldez, mais de 700 convertidos seriam queimados e outros 5 mil presos ali até 1488. “Diferentemente da Inquisição medieval, cujos inquisidores eram nomeados pelo papa, na moderna eles eram nomeados pelos reis e atuavam por intermédio dos tribunais criados nos reinos, com a autorização do papa”, diz Anita. ⇨
Tribunais no Brasil
Embora quase não se fale desse assunto, houve, sim, Inquisição no Brasil. E ela disseminou o racismo aqui por mais de 200 anos. “A Inquisição nunca foi oficialmente instituída no país, mas nem precisava. Qualquer religioso regional fazia o papel de inquisidor”, diz a historiadora Neusa Fernandes, autora do livro A Inquisição em Minas Gerais no Século XVIII. “Bispos, padres, párocos, todos eram vigias, todos delatavam. A pessoa era presa, o processo era aberto e ia para Lisboa.” O Tribunal da Inquisição funcionava aqui através de representantes locais, os “comissários”. Eles contavam com a ajuda dos “familiares”, homens influentes que espionavam e faziam denúncias, e dos “visitadores”, funcionários do Santo Ofício que vinham da metrópole para acompanhar os processos de devassa. Estima-se que mais de mil pessoas tinham sido presas e levadas para os cárceres de Portugal e cerca de 30 condenadas à morte na fogueira. A maioria era formada por cristãos-novos, mas também havia acusados de feitiçaria, blasfêmia, bigamia, sodomia, concubinato e até frades apontados como fornicadores. Como o Santo Ofício sempre agiu no rastro dos homens de negócio, que rendiam confiscos mais polpudos, a caçada pegou para valer no século 18 com a descoberta do ouro em Minas Gerais. A Inquisição exigia ainda que candidatos às ordens religiosas brasileiras provassem que não tinham antepassados “hereges”. Documentos arquivados na Cúria Metropolitana de São Paulo mostram, por exemplo, que o poeta Cláudio Manoel da Costa foi recusado por “suspeita de sangue”.

⇨ Em 1483, Xisto IV autorizou a criação de tribunais em Aragão, Catalunha e Valência. Quem assumiu como inquisidor-geral foi Tomás de Torquemada, chefe do mosteiro dominicano de Santa Cruz em Segóvia. Torquemada iniciava os processos com base em denúncias de todo tipo, inclusive por carta anônima. Não era preciso provar nada e o acusado não sabia quem era seu delator. Os tribunais julgavam dois tipos de crime. Os que eram contra a fé (e tinham como acusados judeus, islâmicos e protestantes, entre outros) eram mais graves e passíveis de morte. Já contra a moral (acusados de bigamia, sodomia e bruxaria, por exemplo) eram punidos com prisão e outros castigos mais leves. O confisco de bens valia para todas as vítimas.
Com a grana dos confiscos, Fernando e Isabel conseguiram derrotar os mouros em Granada em 1492, enquanto a Inquisição começava a se expandir pelas colônias da América. Naquele mesmo ano, os reis católicos decretaram a expulsão da Espanha de todos os judeus que não aceitassem a conversão imediata. Quase 150 mil judeus atravessaram a fronteira em direção a Portugal, enquanto outros 50 mil se dirigiram ao norte da África e à Turquia. Os mouros da Espanha também tiveram que se converter ao cristianismo. Seus descendentes seriam desterrados de lá mais tarde, em 1609. ⇨
A "Lenda Negra"
No passado, alguns historiadores espanhóis enxergaram nos relatos estrangeiros da Inquisição, feitos principalmente por protestantes ou iluministas irreligiosos, como uma forma de propaganda inimiga, querendo demonizar sua história e cultura. A isso o historiador Julián Juderías batizou de Lenda Negra, no livro com o mesmo nome de 1914. Em alta durante a ditadura de Francisco Franco, o termo é meio "maldito" hoje em dia, mencionado por ultranacionalistas.
⇨ Em Portugal, até então, cristãos, muçulmanos e judeus ainda mantinham uma boa convivência. Mas o rei português dom Manuel I acabara de fazer um contrato de casamento com Isabel, filha dos reis católicos espanhóis. E uma das cláusulas exigia que ele expulsasse os judeus também de Portugal. Como os judeus eram grandes negociantes e respondiam por uma parcela importante da economia, o monarca preferiu transformá-los em cristãos-novos, com um batismo forçado em 1497. Claro que muitos não abriram mão da fé com aquele banho coletivo de água benta. Por isso, os portugueses começaram a acusar os cristãos-novos de serem falsos cristãos. A violência explodiu em 1506, numa missa de Páscoa no mosteiro de São Domingos, em Lisboa. Um cristão-novo dissera que um suposto milagre era apenas um reflexo da luz e foi espancado até a morte. A raiva contra ele se espalhou pelas ruas, instigada por frades. Resultado: três dias de carnificina e cerca de 2 mil mortos.
Em 23 de maio de 1536, o rei dom João III conseguiu autorização definitiva do papa para instalar a Inquisição em Portugal. Nos anos seguintes, as fogueiras dos autos-de-fé arderam em Lisboa, Coimbra, Évora e outras cidades. Muitos judeus fugiram para lugares onde podiam assumir sua identidade, como Amsterdã e Istambul. Outros continuaram a professar secretamente sua fé nos porões das casas, correndo o risco de serem pegos.
Legado totalitário
A Inquisição acabou oficialmente em 1821 em Portugal e em 1834 na Espanha. Depois disso, o Santo Ofício ainda vigorou na Itália e mudou duas vezes de nome até, em 1965, passar a ser chamado de Congregação para a Doutrina da Fé. No ano 2000, o papa João Paulo II oficializou o pedido de desculpas pelos “erros cometidos a serviço da verdade, por meio do recurso a métodos não-evangélicos”.
Para os estudiosos, o problema da Inquisição vai muito além da quantidade de mortos: sua herança discriminatória é sentida ainda hoje. “A Congregação para a Doutrina da Fé advertiu e puniu teólogos contemporâneos que têm questionado alguns aspectos da doutrina católica e a infalibilidade da Igreja”, diz Anita. Um deles foi o brasileiro Leonardo Boff, condenado em 1984 pelo então cardeal (atual papa) Joseph Ratzinger a um ano de “silêncio obsequioso” por causa dos questionamentos à hierarquia eclesiástica expostos no livro Igreja: Carisma e Poder. Durante o interrogatório, Boff se sentou na mesma cadeira ocupada mais de 300 anos antes pelo físico Galileu Galilei.
Mas o legado da Inquisição ultrapassa as fronteiras do cristianismo. “Com seu caráter de polícia do pensamento, ela impôs um estado de paranoia e perseguição institucional que é um claro antecedente dos totalitarismos atuais”, diz o historiador inglês Toby Green. Exemplo disso foi o regime nazista, que levou às últimas conseqüências a noção de pureza da raça. Para Neusa Fernandes, o trabalho do Santo Ofício continua vivo no racismo, na censura, no controle moral, na miséria, na violência. Os movimentos fundamentalistas atuais, embora de origens diversas, também compartilham a atitude dos inquisidores. “Eles pensam que são donos de toda a verdade e que os outros são hereges”, diz o escritor americano Richard Zimler, autor de O Último Cabalista de Lisboa. “O líder do Estado Islâmico Abu Bakr al-Baghdadi e os inquisidores portugueses do século 16 se entenderiam muito bem, pois sua postura moral é exatamente a mesma.”

Entre mortos e feridos
Uma estimativa das vítimas da Inquisição moderna*
►Inquisição Espanhola
►34 1021 - Condenados
►31 912 - Queimados
►17 659 - Queimados em efígie
►Inquisição portuguesa
►29 590 - Condenados
►1 808 - Queimados
►633 - Queimados em efígie * Levantamentos feitos pelos historiadores Juan Antonio Llorente (referentes à Espanha, entre 1481 e 1808) e Cecil Roth (estimativas sobre Portugal). Não há dados sobre a Inquisição medieval.

Saiba mais
A Inquisição, Anita Novinsky, Brasiliense, 2007


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sábado, 16 de novembro de 2019

Babel




Conto“babel”, de Adriana Griner, vencedora do
Prêmio Paraná de Literatura na categoria Contos com o livro no início.

Babel acabara de ver a torre ruir. Não tinha sido como um terremoto que de um zás come a terra, as tendas, as casas, as gentes. Ou um raio que destrói uma árvore, em que a luz traz em si o seu oposto.
Tinha sido quase como um ato de amor, o nível mais alto caindo devagarzinho, esfarelando-se como um bolo mal ligado, e levando consigo mais uma pedra, e outra, e outra, até sobrar apenas poeira para todos os lados. Alguém poderia dizer que a torre chegava aos céus, pois lá estava ela envolta em nuvens de pó que não se distinguiam das pesadas nuvens de chuva que vinham logo acima. Pelo chão, à volta da torre, pedras em cacos pareciam construir caminhos para o topo encoberto da torre, e de longe parecia uma imensa montanha escarpada.
Não tardou muito e a chuva começou a cair. Uma chuva forte que durou dias e limpou o horizonte. E as pessoas puderam por fim ver babel destruída. Nem toda a torre jazia por terra. Uma parte dela ainda se encontrava ali, apontando o céu, mas apenas os dois primeiros níveis tinham sobrevivido parcialmente.
Mas tudo se deu antes de se poder ver em que a torre tinha se transformado. Babel olhara pela janela e vira a torre se desfazendo. E por um instante esquecera da vida e ficara a mirar o pó e a destruição, e a não entender o mundo diante de si. Mas a voz que veio do quarto a trouxe de volta, e ela correu a colocar mais lenha no fogo, e a esquentar a água, e a acudir seu filho e perguntar: “Quer leite? Pão?”, e seu filho só a olhou com olhos transparentes e lhe respondeu: “Na? Taledachkvach, ama!”, e ela achou graça de seu filho a inventar uma língua, e dos sons guturais e raspados que ele fazia, e foi a trazer um chá e um pão para ele, que ele devia estar a brincar e a dizer do jeito que só crianças podem inventar que o leite não lhe satisfaria hoje... e correu a contar a graça de seu filho a seu homem, que ainda  dormitava, mesmo com todo o barulho que a torre fizera, mesmo com tudo, e pensou que devia mesmo de acordá-lo, a torre caíra, a torre se esfarelara, sim, tinha de acordá-lo e contar, e mexeu e remexeu, e tentou levantá-lo e tudo que ele disse foi “Denshaideshnain” e ela ainda sorriu e achou graça também, então seus homens estavam tirando o dia para se rir dela, então o sacudiu ainda mais e falou “A torre, a torre se caiu, você tem de acordar e vê-la!”, mas seu homem acordou e só a olhou com olhos espantados e pareceu tentar falar algo com ela, mas tudo que ouviu foi “Otshaanaseshanain” e ela se riu e achou ainda mais graça. Eles deviam de ter combinado na véspera a brincadeira, era bem deles inventar um jeito assim de se rir dela, inventar uma língua que ela não entendesse e não percebesse, iam todos rir muito depois, e ela se foi a cuidar do chá de seu homem e ver se seu menino já comera e já estava pronto para acompanhar o pai na lida.

Mas não era uma brincadeira. Quando os dois por fim se sentaram para comer, o chiado do vento nas tamareiras não entendia o som rascante do rio cortando a pedra, e eles eram surdos um para o outro, e o menino se pôs a chorar, e o pai puxou do menino para
si, inentendendo o que se passava, mas certo que algo se passava. E sem palavras, os três se foram para a rua, falando para os ventos, e ouvindo vozes cortantes, sibilantes, guturais, chiadas, até encontrarem alguém que falasse a mesma língua de um deles, e descobrir que era o que se passava em cada casa, em cada rua, em cada tenda, em cada jardim.
E com os dias se passando, começaram a ver que as pessoas iam se juntando, as que falavam a língua chiada acabavam por encontrar outra que falava sua língua, e iam e se juntavam na mesma casa, e os que encontravam os sons que puxavam da garganta encontravam outros que também forçavam suas gargantas, e foram se fazendo grupos e os grupos foram se acomodando nas mesmas casas, e alguns resolviam que iriam embora assim mesmo, que melhor era encontrar um lugar em que todos se entendessem, e não fossem ao mercado e pedissem farinha e recebessem uma galinha, ou quisessem comprar uma manta e saíssem com um tapete. E os bandos foram se fazendo, e pais abandonavam filhos, e netos abandonavam avós, e muitos se iam, e a cidade foi ficando abandonada, só fiando famílias como a sua, famílias que se recusavam a se separar e a se deixar, que a língua não iria desfazer do amor que os juntava, as línguas, na verdade, que  cada um tinha a sua, cada um falava de um jeito até que por fim quase abandonaram as palavras na casa, e se falavam por gestos, assovios e risos, e por vezes lágrimas também, mas não seria a língua que os deixaria longe um do outro.
E pela cidade era possível sempre encontrar pessoas que ainda falassem a sua língua, que não se perdesse de todo, e foi assim que ela encontrou o mendigo que morava na sombra do velho templo, e a quem ela sempre apenas deixava a sobra da janta do dia anterior, mas que agora se tornara o seu único amigo, e ele contava da vida grandiosa que tivera, e de como sua mulher o abandonara e fora embora com um viajante, e como levara seus filhos e ele não tivera mais gosto para a vida, e como a vida era esperar a esmola deixada e olhar as gentes que passavam. E ela escutava, a delícia de entender a mesma história contada dia após dia, o sorver das palavras conhecidas, ela já quase decorando que palavra viria depois, e voltar para casa plena de troca e felicidade, ela que tinha alguém na cidade fantasma, ela que podia falar e ouvir por fim.
Ela ainda pensou talvez em sair a procurar pessoas com quem falar, ela que ficara com sua língua, ela que se saísse da cidade com certeza encontraria outras pessoas de sua língua, mais facilmente que qualquer um, mas não se era babel à toa, com certeza devia de ter uma razão para ter ela esse nome, ela e a cidade unidas desde sempre. E não lhe parecia certo abandonar a pequena horta nos fundos da casa, as videiras que cresciam pelas varandas e muros, o campo a se prolongar por trás da casa até o horizonte e as cabras a pastar e os cachorros a correr e a latir. Eles que pareciam agora se entender melhor do que os homens, quem sabe a língua deles não tinha sido misturada, e então ela danava a pensar o que tinha sido aquilo, quem tinha feito a mágica, quem tinha sido o deus que perdera seu tempo a misturar as línguas, e ele devia de ter perdido muito tempo, sim, inventar tantas línguas devia de tomar muito tempo, muito esforço, e para que tanta lida para fazer as pessoas se desentenderem, para que tanto trabalho para ver pai e filho não perceberem o que o outro falava, avó e neto não saberem o que o outro queria, e as gentes a se desconhecerem e a não poder trocar e trabalhar e festar. Havia de ser um deus muito mau ou perdido, para gastar seu vigor numa empreitada assim desarrazoada, e foi só quando o seu amigo, o mendigo do templo, veio lhe dizer que tinha sido o deus do templo, que tivera raiva dos homens querendo chegar no céu, que não queria homens chegando no lugar dele, que ela atinou ainda mais na falta de sentido, e perguntou para o mendigo se ele imaginava a razão naquilo tudo, e o mendigo falou que com certeza era um castigo para os homens, porque o céu não era lugar aonde se pudesse chegar, e então a misturada de línguas era um castigo divino, e ela ainda perguntou para ele: “Mas que castigo é esse que ninguém sabe que é um castigo? Que ninguém sabe que tem um deus e que esse deus está castigando? Que ninguém pode nem saber desse castigo porque cada um fala uma outra língua, e está
mais é preocupado com retomar a vida, e cultivar sua terra, e cuidar de seu filho, ou do filho de outro que fala sua língua, e da mulher de outro que também fala sua língua, e em plantar e trocar e comer e viver?”. E o mendigo seu amigo também não tinha respostas, ele também só tendo a ela para falar, e ela lhe perguntou por que não ia procurar outras pessoas que falassem sua língua, já que ele não tinha um homem e um filho que nem ela, e ele lhe disse que a vida não mudara para ele, antes ele estava ali diante do templo e ninguém falava com ele, ela lhe trazia o de comer, mas não conversava com ele, e
ninguém mais também falava com ele, agora ele tinha uma amiga e com quem
falar, aquela praga de deus tinha mais é deixado sua vida igual, mas um pouco
melhor, não? E ela não teve como não concordar, a vida não era tão diferente assim para ele, e ela também pensou que para ela também não, porque aos poucos eles iam construindo uma língua nova na casa deles, e quando o filho falava “mata” e apontava a uva, eles guardavam a palavra e a iam usando, e quando ela trazia o chá e oferecia “Chá?”, também eles guardavam a palavra, e pouco a pouco uma língua feita de remendos foi se fazendo na sua casa, e eles se entendiam pelas palavras já comuns ou as inventadas, pelos gestos e pelas novas palavras que a cada dia um deles ia incorporando.
E isso foi acontecendo também com as pessoas da cidade. As pessoas iam seguindo suas vidas, era preciso semear o trigo e a cevada, era preciso colher a uva e as tâmaras, era preciso fazer o pão e preparar o vinho. As pessoas iam seguindo em suas tarefas diárias, e por vezes era preciso trocar algo que sobrara da colheita, e as pessoas levavam seus produtos ao mercado e tentavam se entender de alguma forma, balbuciavam sons que não eram compreendidos, e ainda assim conseguiam trocar sua cesta por um saco de vinho, trocar a roupa cerzida com carinho por um naco de carne, e então riam-se da forma do outro chamar o pão e os fios, e alguns iam repetindo as palavras engraçadas do outro, e vez por outra uma palavra aparecia da junção das palavras, ou alguém adotava a palavra do outro, ou ainda inventavam outra palavra a designar algo velho. Ou novo. Ou igual.

II
Poucas pessoas se dignavam a ir até a torre. Que já não era bem uma torre, era mais uma base espalhada pelo chão, mas ainda restara dois níveis na torre, e o buraco que se fizera fazia lembrar um vulcão. As crianças foram as primeiras a se aventurar a subir na torre, e brincar no grande buraco a se esconder entre os entulhos e a voltar e tentar contar aos pais o que haviam visto. Os pais sacudiam a cabeça, por demais ocupados em refazer suas vidas, e pouco entendendo o que cada filho falava, mas aos poucos a curiosidade os fez também subir pelos lados da torre e chegar ao baixo topo e olhar à volta e ver os destroços. Alguns ainda tentavam explicar uns aos outros o que viam e sentiam, mas a língua comum ainda era pouca para conseguirem se entender. Voltavam aos afazeres diários e seguiam a vida de plantar, colher, cozinhar, beber, comer.
Alguns ainda faziam suas abluções e rezavam ao seu deus. Mas mesmo deus perdia importância naquele mundo de tantas línguas, e era um ato solitário que muitos iam largando, mais preocupados com a sobrevivência diária. Também havia aqueles que
desconfiavam que deus era responsável pela destruição da torre e pelo confundir das línguas, e perdiam a paciência com aquele deus pequenininho que devia de ter destruído a torre por pura inveja. Mas esses eram poucos. A maior parte simplesmente ignorava deus e a torre e o tumulto de línguas que se seguira à destruição.
E a vida foi seguindo. As pessoas conviviam mais, e uma nova língua se foi fazendo ali, uma língua comum a todos que ficaram. As pessoas viram o fogo e a chuva, e o trovão e o campo dourado, e passaram a adorar o deus do fogo e da chuva, o deus do campo e da casa, e novos rituais foram se construindo, e novos templos foram erigidos. Apareceram pela cidade outros povos que ora saqueavam, ora vinham comprar, ora apenas bebiam da água e do vinho, comiam do pão e do queijo. Era preciso defender a cidade, e alguns começaram a construir novos muros e se prontificaram a proteger a cidade.
Alguns estrangeiros ainda perguntavam o que era aquela construção abandonada. Os que lembravam contavam da torre, os que não se lembravam inventavam novas histórias. Nem os estrangeiros entendiam o que eles falavam, nem eles se preocupavam muito com isso. As novas histórias sobre a torre se tornavam lendas, e nascidas novas gerações já ninguém lembrava quem tinha construído a torre, quem tinha morrido em sua destruição, nem como nem por que a torre tinha se desfeito. As crianças continuavam a brincar na torre, as pessoas se entendiam em sua nova língua, e os pais ensinavam aos filhos como fazer o vinho, e tosquiar as ovelhas, e costurar a roupa. Mas já não falavam da torre e assim sua história morreu.
As pessoas vinham a babel e gostavam da gente de lá, e outros povos iam se incorporando à cidade e a chamavam por outros nomes, até o nome babel ser esquecido. E a torre já era chamada de velho ginásio, e lá as crianças brincavam e corriam e perdiam-se e riam-se.

III
Babel estava velha. Seu homem já tinha morrido de há muito, seu filho em uma tempestade não voltara com as trocas pela colheita que levara a negociar. Ela vivia com seus netos e bisnetos e tataranetos, a casa grande cheia de crianças a correr e a comer e a balbuciar. Ela se ria dos balbucios dos pequenos, as tentativas que lhe lembravam os começos da língua comum, quando os sons raspantes de seu filho lhe pareciam riscos no ar, quando os chiados de seu homem lhe pareciam as folhas de outono, e seu amigo era o único a não balbuciar, o único a falar coisa com coisa, a fazer sentido em seus ouvidos e a lembrar que as línguas tinham sido um castigo, tinham sido a raiva de um deus invejoso, invejoso dos homens a subir aos céus, invejoso dos homens que trabalhavam juntos e se riam e bebiam e comiam e festavam e se amavam. Sim, devia de ser um deus muito só, desses que não sabem que são sós, que vivem sozinhos por tantos anos que já se esqueceram que não precisa ser assim, que acham que apenas sozinhos podem continuar a viver e a criar e a existir. Desses que não sabem que estar só é a pior maldição, e acabam se comprazendo na solidão como quem festeja, como quem acha que o outro impede o outro fecha os caminhos... quando é exatamente o oposto.
Ah, e que saudade de seu amigo. Ela se acostumara com a língua comum, a língua que trazia de tudo um pouco, o chiado, o rascante, o quebrado, as diferentes ordens, as palavras se encavalando, as palavras soltas e as palavras fechadas. Mas faltava-lhe poder falar do sol que se punha a cada dia, das gentes, das cores, ela a cada dia que passava se via faltando a palavra exata, aquela que diria exatamente da lua que nascia redonda na montanha, ou da dor profunda que só ela sabia, porque só a sua palavra perdida a podia dizer, ou montar a frase como um rio escorrendo pelas pedras, e não quebrado, e não pulado, e não claro, e não elegante, não, o rio nas suas palavras, e que era o rio como devia de ser,  o rio que corria diante de seus olhos levando as tristezas e as mágoas e as saudades tão grandes.
Fazia-lhe falta conversar com seu amigo, o mendigo da porta do templo, e que sabia por que tudo ocorrera, e pensar que ninguém senão eles sabiam que deus tinha feito aquilo, o deus que se julgava único, o deus que se achava só. E que era só. Porque só um deus que é só podia fazer aquilo. Só, sozinho.
E agora ela subia a torre. Ela, que nunca mais pusera os pés na torre. Ela, que só olhara de sua janela a torre ruir, ela que era babel não só no nome, ela que sabia que aquela torre não queria chegar a deus algum, aquela torre era apenas as gentes juntas e misturadas e tantas e fortes colocando pedra sobre pedra sobre pedra, elas que eram o construir, o estar próximas, o estar unidas pelo fazer, pelo colocar mais uma e mais uma e mais uma. Ela subia ao que restava da torre, com cuidado, como quem sabe que cada pedra em que pisa é uma armadilha, ela que estava tão velha que nem mais contavam os anos, mas suas pernas ainda eram fortes e ainda andavam. Sim, havia coisas que não funcionavam nela, mas não suas pernas. E não sua cabeça. Ela ainda pensava, e quando pensava era na antiga língua de babel, ela que mantivera a língua, ela que em sonhos conversava com seu amigo para não perder a língua. Ela que se soubesse os mistérios da escrita teria escrito esta história. Mas ela não sabia, e então era em sua memória que se guardava a torre e a queda e o mais. Babel.
E ela subia, e era com esforço mas certeza, e mais um degrau, e mais uma pedra, e mais. E já o céu se descortinava inteiro, apenas mais uns degraus, e por dentro do segundo nível ela viu a pequena torre. E por lá ela subiu e lá estava ele, sentado em uma pequena mureta que se mantinha no alto. Olhando. E se lamentando.
“Eles me esqueceram, eles se esqueceram da torre, eles têm uma nova língua comum. Eles vivem outra vida, eles de nada se lembram. Eles plantam e colhem e trocam. Eles casam, e têm seus filhos e seus filhos têm filhos e netos e bisnetos. Ninguém se lembra de babel, ninguém se lembra da torre, ninguém se lembra de mim, ninguém se lembra do que fiz ninguém se lembra por que fiz... ninguém.” E babel concordou: “E não há mais torres para destruir. E ninguém mais querendo chegar aos céus”.

Adriana Griner nasceu em 1962, no rio de Janeiro (rJ), onde mora atualmente — depois de temporadas em Brasília (Df), Campinas (SP) e israel. formada em letras pela Universidade estadual de Campinas (Unicamp), já foi bancária e hoje atua como professora do instituto Tecnológico ORT, escola sem fins lucrativos de origem judaica. no início marca sua estreia na literatura.

Obtido em: jornal da biblioteca pública do paraná | C â n d i d o 7- http://www.candido.bpp.pr.gov.br/

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quarta-feira, 18 de setembro de 2019

Deuses brasileiros

Panteão Indígena Brasileiro

Nhanderu e a roda dos mundos

Nhanderu também chamdo de Iamandu (o deus sol) cuja expressão é Tupã (trovão) junto com Araci tambem chamada iaci ou jaci (a deusa lua) são as duas primeiras entidades do Edhen a cruzar a barreira com paradísia na América do Sul num lugar descrito como um Monte na região do Aregúa (paraguai). E de lá criaram os animais, plantas da américa do sul e as primeiras criaturas místicas , iniciando o povoamento de paradía.

Nhenderu criou Rupave e Sypave em uma cerimônia elaborada, formando estátuas de argila do homem e da mulher com uma mistura de vários elementos da natureza. Depois de soprar vida nas formas humanas, deixou-os com os espíritos do bem e do mal. Rupave e Sypave ("Pai dos povos" e "Mãe dos povos") tiveram três filhos e um grande número de filhas. O primeiro dos filhos foi Tumé Arandú, considerado o mais sábio dos homens e o grande profeta do povo Guarani. O segundo filho foi Marangatu, um líder generoso e benevolente do seu povo, e pai de Kerana, a mãe dos sete montros legendários do mito Guarani. Seu terceiro filho foi Japeusá, que foi, desde o nascimento, considerado um mentiroso, ladrão e trapaceiro, sempre fazendo tudo ao contrário para confundir as pessoas e tirar vantagem delas. Ele eventualmente cometeu suicídio, afogando-se, mas foi ressucitado como um caranguejo, e desde então todos os caranguejos foram amaldiçoados para andar para trás como Japeusá.

Mito guarani da criação

A figura primária na maioria das lendas guaranis da criação é Iamandu (ou Nhanderu ou Tupã), o deus Sol e realizador de toda a criação. Com a ajuda da deusa lua Araci, Tupã desceu à Terra num lugar descrito como um monte na região do Aregúa, Paraguai, e deste local criou tudo sobre a face da Terra, incluindo o oceano, florestas e animais. Também as estrelas foram colocadas no céu nesse momento.



Tupã então criou a humanidade (de acordo com a maioria dos mitos Guaranis, eles foram, naturalmente, a primeira raça criada, com todas as outras civilizações nascidas deles) em uma cerimônia elaborada, formando estátuas de argila do homem e da mulher com uma mistura de vários elementos da natureza. Depois de soprar vida nas formas humanas, deixou-os com os espíritos do bem e do mal e partiu.

Nhanderuvuçú é considerado Deus supremo na religião primitiva dos índios brasileiros.

Nhanderuvuçú não tem forma humana a chamada forma antropomórfica, é a energia que existe, sempre existiu e existirá para sempre, portanto Nhanderuvuçú existe mesmo antes de existir o Universo.

A única realidade que sempre existiu, existe e existirá para sempre é a energia a qual os índios brasileiros identificam como Nhanderuvuçú.

No princípio ele criou a alma, que na língua tupi-guarani diz-se "Anhang" ou "añã" a alma; "gwea" significa velho(a); portanto anhangüera "añã'gwea" significa alma antiga.

Nhanderuvuçú criou as duas almas e, das duas almas (+) e (-) surgiu "anhandeci" a matéria.

Depois ele disse para haver lagos, neblina, cerração e rios.

Para proteger tudo isso, ele criou Iara.

Nhanderuvuçú criou também Caaporã o protetor das matas por si só nascidas e protetor dos animais que vivem nas florestas, nos campos, nos rios, nos oceanos, enfim o protetor de todos os seres vivos.

Caaporã quando é evocado para proteger as plantas plantadas junto aos roçados dos índios é chamado por eles de forma carinhosa com o cognome de Ceci.

Caaporã em língua tupi-guarani significa "boca da mata "Caa = boca e Porã = mata"

Dizem as lendas que no meio dos animais protegidos por Caaporã apareceu mais um casal de animais.

A primeira mulher, Amaú (Sypave) e, o primeiro homem, Poronominare (Rupave).


Primeiros humanos

Os humanos originais criados por Tupã eram Rupave e Sypave, nomes que significam "Pai dos povos" e "Mãe dos povos", respectivamente. O par teve três filhos e um grande número de filhas. O primeiro dos filhos foi Tumé Arandú, considerado o mais sábio dos homens e o grande profeta do povo Guarani. O segundo filho foi Marangatu, um líder generoso e benevolente do seu povo, e pai de Kerana, a mãe dos sete monstros legendários do mito Guarani (veja abaixo).

Seu terceiro filho foi Japeusá, que foi, desde o nascimento, considerado um mentiroso, ladrão e trapaceiro, sempre fazendo tudo ao contrário para confundir as pessoas e tirar vantagem delas. Ele eventualmente cometeu suicídio, afogando-se, mas foi ressuscitado como um caranguejo, e desde então todos os caranguejos foram amaldiçoados para andar para trás como Japeusá.

Entre as filhas de Rupave e Sypave estava Porâsý, notável por sacrificar sua própria vida para livrar o mundo de um dos sete monstros legendários, diminuindo seu poder (e portanto o poder do mal como um todo).

Crê-se que vários dos primeiros humanos ascenderam em suas mortes e se tornaram entidades menores.


Os sete monstros legendários

Kerana, a bela filha de Marangatu, foi capturada pela personificação ou espírito mau chamado Tau. Juntos eles tiveram sete filhos, que foram amaldiçoados pela grande deusa Arasy, e todos exceto um nasceram como monstros horríveis. Os sete são considerados figuras primárias na mitologia Guarani, e enquanto vários dos deuses menores ou até os humanos originais são esquecidos na tradição verbal de algumas áreas, estes sete são geralmente mantidos nas lendas. Alguns são acreditados até tempos modernos em áreas rurais. Os sete filhos de Tau e Kerana são, em ordem de nascimento:

1 - Teju Jagua, deus ou espírito das cavernas e frutas
2 - Mboi Tu'i, deus dos cursos de água e criaturas aquáticas
3 - Moñai, deus dos campos abertos. Ele foi derrotado pelo sacrifício de Porâsý
4 - Yacy Yateré, deus da sesta, único dos sete a não aparecer como monstro
5 - Kurupi, deus da sexualidade e fertilidade
6 - Ao Ao, deus dos montes e montanhas
7 - Luison, deus da morte e tudo relacionado a ela


O Mito: A criação da Noite

Nas Aldeias de todo o mundo, nas terras dos índios, era sempre dia. Nunca havia noite, estava sempre claro. Os homens não paravam de caçar, nem as mulheres de limpar, tecer e cozinhar. O sol ia do leste ao oeste e depois refazia o caminho, ia do oeste ao leste, seguindo assim.

Mas teve um dia que o caso mudou. Quando Tupã, aquele que controlava tudo, havia saído para caçar, um homem muito curioso tocou no frágil Sol para saber como funciona. Então o Sol que dava luz e calor havia se apagado, havia quebrado em mil pedacinhos. Então as trevas haviam reinado na aldeia.

Tupã não se conformou com tal atitude do homem, e o transformou em um novo animal, que tinha as mão douradas como o Sol que brilhava. E deu-se o nome àquele bicho de macaquinho-de-mão-d'ouro. Tupã então tratou de refazer o Sol. Mas ele só ia ao oeste e não conseguia voltar. Então criou assim a Lua e as estrelas para iluminarem a noite. E assim ia, o Sol ia até o poente, não voltava, e então vinha a Lua e as estrelas. Acabava a noite e o Sol voltava. mas o sol sempre sorrindo ia e um dia viu a lua orgulhoso do que fez

Enfim os índios Brasileiros adoram o que existe de fato, adoram somente o que é realmente real, os fenômenos naturais, o clima, a natureza, apenas as coisas reais. "A realidade é a única verdade em que podemos acreditar".

"Tupã-Cinunga" ou "o trovão", cujo reflexo luminoso é tupãberaba, ou relâmpago cuja voz se faz ouvir nas tempestades sua morada é o Sol.

Tupã representa um ato divino, é o sopro da vida, e o homem a flauta em pé, que ganha a vida com o fluxo que por ele passa."



O PANTEÃO

ANGATUPRI - Espírito ou personificação do bem

ANHANGÁ - Deus Infernal

ANHUM - Deus do Canto e da Música, neto de Tupã tocava Taré.

ARACI - Na mais longínqua e remota antiguidade, Itaquê, o mortal, amou a imortal Deusa Lua Jaci. Dessa união, nasceu Araci, que ao morrer, foi elevada aos céus por sua mãe, tornando-se a ninfa das manhãs e da aurora.

BOTO - Deus dos abismos dos mares, que governa os oceanos e habita a sagrada Loca, que é a habitação dos Deuses marinhos no fundo das águas.

COROACY - Deusa Solar ou a Mãe do Dia. Ela representa a primeira visão do Sol matinal.

CURUPIRA - Foi enviado para terra por Tupã para proteger os campos e florestas.

CY - A Mãe de Todos, a encarnação da Terra e de todos os ventres grávidos.

DEUSA ARANHA - Deusa tecelã da vida que trouxe nos fios de sua teia os Caiapós do espaço para habitar a Terra.

GUARACY - Deus Sol.

IAVU-RÊ-CUNHÃ - Duende da Mata dos Kamaiurá.

JACY - Deusa-Lua, a poderosa Mãe da Noite e Senhora dos Deuses. Tem duas formas: Jacy Omunhã (Lua Nova) e Jacy Icaua (Lua Cheia).

JURUTI - A Mãe dos rios.

KATXURÉU - Deusa da Morte dos indígenas.

MARA- Deusa das Trevas.

MULHER ARARA - Deusa Mãe que possui o poder de transformar-se tanto em pássaro como em mulher.

NAIÁ - Fada que habita a flor da planta conhecida por Vitória-Régia.

NETE BEKU - Deusa Mãe que ensinou aos Kaninawás sobre o uso dos vegetais.

NHARÁ - Deus do Inverno.

PÉDLERÉ - Deusa da Morte dos índios krahôs.

PÔLO - Deus do Vento e Mensageiro dos Deuses.

POMBERO - Um espírito popular de travessura

PYTAJOVÁI - Deus da guerra

RUDÁ - Deus do Amor, encarregado da fertilidade e da reprodução.

SETE ESTRELO - O Deus das Plêiades.

SUMÁ - Deusa da Ira, que envolta em uma manta negra de cipó chumbo, vagava pela terra, espalhando ódio e discórdia. Era uma Deusa Guerreira que orientava e protegia a agricultura. Uma lenda bem antiga, afirma ser ela filha legítima de Tupã e Jaci.

TAMBA-TAJÁ - Deus do Amor.

TAU - Deus/Espirito do Mau.

TATAMANHA - Deusa das Labaredas e das faíscas.

TICÊ - Esposa de Anhangá (Deus Infernal).

TIRIRICAS - Deusas da Raiva, do Ódio e da Vingança.

TOLORI - Deus da Tempestade e inimigo das mulheres.

TUPÃ - (que na língua tupi significa trovão) é uma entidade da mitologia tupi-guarani.

Os indígenas rezam a Nhanderuvuçu e seu mensageiro Tupã. Tupã não era exatamente um deus, mas sim uma manifestação de um deus na forma do som do trovão. É importante destacar esta confusão feita pelos jesuítas.Nhanderuete, "o liberador da palavra original", segundo a tradição mbyá, que é um dialeto da língua guarani, do tronco lingüístico tupi, seria algo mais próximo do que os catequizadores imaginavam.

Câmara Cascudo afirma que Tupã "é um trabalho de adaptação da catequese". Na verdade o conceito "Tupã" já existia: não como divindade, mas como conotativo para o som do trovão (Tu-pá, Tu-pã ou Tu-pana, golpe/baque estrondante), portanto, não passava de um efeito, cuja causa o índio desconhecia e, por isso mesmo, temia. Osvaldo Orico é da opinião de que os indígenas tinham noção da existência de uma Força, de um Deus superior a todos. Assim ele diz: "A despeito da singela idéia religiosa que os caracterizava, tinha noção de Ente Supremo, cuja voz se fazia ouvir nas tempestades – Tupã-cinunga, ou "o trovão", cujo reflexo luminoso era Tupãberaba, ou relâmpago. Os índios acreditavam ser o deus da criação, o deus da luz. Sua morada seria o sol

Para os indígenas, antes dos jesuítas os catequizarem, Tupã representava um ato divino, era o sopro, a vida, e o homem a flauta em pé, que ganha a vida com o fluxo que por ele passa.

UALAIMKÍPIA - Deusa-Pássaro da Morte equivalente a Deusa grega Hécate.

UIAPURU - O Deus do amor do mundo alado, o pássaro encantado considerado o orfeu amazônico.

VITÓRIA RÉGIA - Deusa-fada do reino vegetal.

XUNDARUÁ - Deusa Peixe-Boi padroeira da pesca e dos pescadores.

YARA - (também chamada de "Mãe das Águas"), segundo o Mitologia Índigena, é uma lindissima Sereia morena, de longos cabelos negros e olhos castanhos, que costuma banhar-se nos Rios e Cachoeiras, cantando uma Melodia de Beleza irresistível. Os homens que a vêem não conseguem resistir a seus desejos e pulam nas Águas, e ela então os leva para o fundo; quase sempre não voltam vivos. Os que voltam ficam loucos, e apenas uma benzedeira ou algum ritual realizado por um Pajé consegue curá-los. Os Índios têm tanto medo da Iara que procuram evitar os lagos ao entardecer.Iara antes de ser sereia era uma índia guerreira, a melhor de sua tribo. Seus irmãos ficaram com inveja de Iara pois ela só recebia elogios de seu pai que era pajé, e um dia eles resolveram tentar matá-la. De noite quando Iara estava dormindo seus irmãos entraram em sua cabana só que como Iara tinha a audição aguçada os ouviu e teve que matá-los para se defender, e com medo de seu pai fugiu. Seu pai propôs uma busca implacável por Iara. E conseguiram pegá-la, como punição Iara foi jogada bem no encontro do rio Negro e Solimões, os peixes a trouxeram a superfície e de noite a lua cheia a transformou em uma linda sereia, de longos cabelos negros e olhos castanhos.
Era o deus dos peixes. Era , segundo outros, a Sereia ou Mãe d'água, pois Y-Yára quer dizer - a que mora na água. A raça desses monstros marinhos chamavam de Y-Yára-ruoiara.

YANUBÊRI - Avó ancestral indígena muito poderosa.

YEBÁ BELÓ - A Avó do Universo.
“Yebá Beló fez a si mesma a partir de utensílios invisíveis e pensava em como deveria criar o mundo. Ainda não havia luz, Yebá então criou três trovões, do primeiro fez surgir Emeko, um ser invisível, do segundo Emeko criou o Sol e com poder concedido por Yebá Beló criou o homem. Do último trovão Emeko criou os animais. Yebá formou ainda a terra, com sementes do seu seio esquerdo e adubando com leite do seio direito. A criação se dá por completo, quando dois índios, Curu e Rairu, enviados por Tupã, estendem uma corda e puxam pessoas por um buraco na terra, dando início a povoação do mundo”

YUSHÃ KURU - Deusa feiticeira ou curandeira que ensinou os xamãs kaxinawás a curar. Conhecida também como a Fêmea Roxa, deu muitos conselhos e surgiram os remédios. Uns eram venenos para matar: olho forte, Beru Paepa. Mijo amargo, Isü Muka. Outro para coceira, Nui. A velha Fêmea Roxa observava bem as folhas e os pés das árvores: ─ Esse mato não é remédio forte.

E assim foi... Surgiram muitos remédios, todos os remédios que têm na mata. Remédio bom que cura as pessoas. Bom para picada de cobra, picada de escorpião, aranha, reumatismo e fígado.A Fêmea Roxa,
Yushã Kuru, conhecia bem todas as folhas desses remédios.

Depois não ensinava vira mais ninguém. Usava todos esses remédios sempre escondida de todo mundo. Até que um dia, a velha Fêmea começou a ensinar para neto dela, o tubo de sua filha. Ensinava a ele todos os remédios da mata que sabia. Ensinava também como preparar estes remédios. Também ensinava o remédio forte e venenoso para colocar feitiçono outro. E experimentava com ele para saber se ele tinha aprendido tudo que sua avó sabia.
Aprendeu a preparar o veneno para botar feitiço no outro. E, as vezes, com mato venenoso, tirar o espírito da pessoa.Quando a mulher moça ou o homem rapaz crescia bonito, ela botava feitiço. Quando o homem era trabalhador, a mulher fazia artesanato e quando esculhambava com a velha Fêmea Roxa ela também botava feitiço para essas pessoas morrerem.
Na aldeia, o povo nau sabia o que a Fêmea Roxa fazia. Passou muito tempo sem ninguém perceber a situação.

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