segunda-feira, 10 de fevereiro de 2014

As Bruxas da Ilha de Santa Catarina



Este ano de 1963 verificaram-se três casos de morte de crianças, por artes das bruxas, na cidade de Florianópolis e no interior da ilha de Santa Catarina. A conselho de benzedeiras e milagreiras, os pais das pequeninas vítimas prepararam as armadilhas tradicionais, mas somente uma das bruxas foi apanhada.

Quem são essas estranhas criaturas?

Crédito da imagem: Viviane Torres Curth. Obtido via web, clique na imagem para acessar o blog da artista

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Os entendidos dizem que, se um casal tem seguidamente sete filhas, a mais velha ou a mais moça delas está predestinada a transformar-se em bruxa, em especial se as meninas são feias, esqueléticas, de nariz adunco e de hábitos mais ou menos estranhos. Há um modo de evitá-lo. À medida que as meninas vão nascendo os pais fazem com que as irmãs mais velhas batizem as mais môças, dando-lhes o nome de Benta; e, após o batismo, despem as crianças e administram-lhes uma colherinha de vinho virgem, vestindo-as em seguida com a mesma roupa, mas pelo avesso, até o galo preto cantar. Parece, porém, que tal cautela tem sido pouco observada – ou não haveria tantas bruxas a assombrar a ilha.

As bruxas costumam aparecer, com mais freqüência, na Ponta da Feiticeira, no distrito dos Ingleses, onde em certas noites se pode ver um facho de fogo errante a passar sobre as casas do lugar; mas também foram localizados em Santo Antonio de Lisboa, Pântano do Sul, Ponte das Canas, Lagoa da Conceição, Rio Tavares, Morro das Pedras, Ribeirão da Ilha e Barra do Sul.

Em meio a gargalhadas estridentes e sinistras as bruxas divertem-se nos pastos, ora dando nós nos rabos e crinas dos cavalos (nós que seriam indesatáveis), ora chupando-lhes o sangue, ora obrigando-os a galopar as tontas; nas encruzilhadas dos caminhos às vezes transformadas em mulas oferecendo montaria aos viajantes incautos, ou na forma de galinhas chocas; na praia soltam as canoas dos pescadores, enleiam-lhes o espinhel, sujam-lhes as velas; em casa aboletam-se no encosto dos bancos e cadeiras pondo os pés sujos de lama e de fezes no assento para sujar as roupas das pessoas de família; e em geral atiram pedras, torrões de barro (barro de cemitério) junta de cobra e matérias fecais sobre coisas, animais e pessoas.

Quando há figueiras e carvalhos na redondeza, reúnem-se em concílio sobre as suas ramagens para treinar as novas bruxas ou para combinar as travessuras da noite, mas o seu ponto preferido de reunião às quintas e sextas-feiras a horas mortas, são casas abandonadas ou mau assombradas.


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Nesses dias as bruxas despem-se, escondem as roupas sob folhas de mato em touças de bananeira ou sob os paneiros das canoas dos pescadores, esfregam no corpo unto virgem e pronunciam as palavras mágicas:

"Por cima do silvado

e por baixo do telhado"
a que algumas vezes acrescentam:
"formada em bicho mandado."

Estão aptas então a toda sorte de estripulias. Locomovem-se em lanchas baleeiras, canoas bordadas e de borda lisa, lombo de cavalo, carro de boi, vassoura, - e nem sempre limitam as suas andanças à ilha, largando-se pelo mundo a visitar países em todos os continentes.
O encanto dura algumas horas a partir da Ave Maria marcadas pelos sucessivos cantos de aviso do galo branco, do galo amarelo e do galo preto. Se o canto do galo preto as surpreender ainda a cumprir o fado, as bruxas não poderão voltar novamente a forma humana.


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Os habitantes da ilha conhecem um esconjuro contra as bruxas,

"Bruxa

Tatarabruxa

Aguilhão nos teus pés

e antolhos nos teus olhos

Tu não me entras aqui nesta casa

nem nesta comarca toda

Em nome de Deus e da Virgem Maria,

Amém"

mas alguns deles, não tão crédulos no simples poder das palavras, quando as pressentem se valem de vários contra para mantê-las à distancia: desenham a cruz do sino Saimão na porta da casa; despem a roupa e vestem-na pelo avesso; põem uma faca entre os dentes com o corte para fora... Acredita-se que o sino Saimão prenda a bruxa no local.
Uma defesa permanente é o breve em que se reúnem um pedacinho de madeira com a cruz do sino Saimão, um pedacinho de esporão de galo preto, um pouco de pó da gema de um ovo da Sexta-Feira Santa, um pedaço da unha de gato preto e três grãos de mostarda.


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A aparência das bruxas apavora e terrifica.

Pessoas que com elas tiveram contato dizem que são feias como os sete pecados, que os seus olhos chispam fogo e que nas mãos engelhadas empunham fachos de luz de cores diversas, que sacodem no ar numa chuva de faíscas.

Uma bruxa que costumava ficar ao leme de uma lancha que toda semana furtava na praia tinha o corpo coberto de escamas negras e as unhas das mãos semelhavam pontas de lança, os cabelos compridos caiam pela pôpa sobre o mar deixando no rastro um fogo de ardênia, nos olhos chamejavam dois feixes de luz e os pés eram como patas de mula...

Crédito da imagem: Obtido via web: Guia Floripa, clique para acessar.

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A bruxa adora chupar o sangue das criancinhas.

Os pais se precaveem contra essa possibilidade pondo ao pescoço da criança um rosário de nove dentes de alho e queimando a palha das liláceas no interior da casa, para afugentar as bruxas.

Não há dúvida de que se trata de bruxedo quando uma criança de menos de um ano, ao adoecer apresenta o cabelo acarneirado, o corpo coberto de manchas roxas e mesmo sangrando em alguns pontos, e se mantém de mãos cruzadas sobre o peito (as vezes também os pés cruzados) desatando num choro que mete dó ao anoitecer, principalmente as sextas-feiras. Em geral quando a misteriosa moléstia chega a esse ponto os pais já recorreram ao médico da localidade sem que os seus remédios tenham surtido efeito visível. Vendo a criança definhar os pais chamam alguma benzedeira ou milagreira conhecida na redondeza; Esta ao chegar à casa confirma, se ficar confusa ou se se puser a bocejar incontidamente, que alguma bruxa está exercendo a sua ação maléfica sobre a criança.

Para penetrar em casa e chupar o sangue dos pequeninos as bruxas afinam e alongam o corpo de maneira a passar pelo buraco da fechadura.

A benzedeira ou milagreira persigna-se e aconselha para obter a cura do doente, ou tratamentos mágicos se o caso parece de menor importância, ou alguma das armadilhas tradicionais poderosas para desencorajar e desmascarar as bruxas, nos casos mais graves.


Tratamentos:
1)        Faz-se um cozimento com cisco de três marés com mo qual se banha a criança. Após o banho dão-se-lhe três colherinhas do cozimento para beber. O tratamento deve continuar durante nove sextas-feiras. (Em certas épocas o mar avançando pela praia, deixa em três dias sucessivos, camadas de detritos, cisco, a pequena distancia uma da outra. Um pouco do detrito de cada qual dessas camadas forma o cisco das três marés, ingrediente usado para este tratamento mágico).

2)        Uma variante do anterior: Faz um cozimento com ciscos das encruzilhadas e com ele se dá um banho na criança, fazendo a beber em seguida, três colherinhas do líquido. Os entendidos dizem que o remédio se mistura com o sangue da vítima, o que enjoa as bruxas, que dela desistem.

3)        Apanha-se uma pedra numa coivara e faz-se uma fogueira em torno dela até que a pedra fique em brasa; atira-se a pedra numa vasilha com água virgem da fonte, quando a água se torna tépida retira-se a pedra e dá-se um banho na criança, administrando-lhe em seguida três colherinhas da água. A pedra depois de usada deve ser reposta no mesmo local. Durante nove sextas-feiras deve se repetir o tratamento utilizando de cada vez uma pedra diferente.


Armadilhas:
1)        O pai toma a primeira camisa usada pela criança, criva-a de agulhas, coloca-a dentro de um pilão de chumbar café e com a mão de pilão soca-a até que as agulhas penetrem na madeira do pilão, ou seja, no corpo da bruxa, que não podendo resistir a dor, vai procurar a família para confessar-se culpada e perde o encanto.

2)        Põe-se uma ceroula do pai, disposta em cruz, sobre a criança; Reza-se o creio-em-deus-padre de trás para diante; Sobre a mesa ou numa cadeira coloca-se um pires com água benta conseguida na igreja, ou comum apanhada na fonte numa sexta-feira antes do nascer do sol, dentro do pires um bocado de cera virgem e a chave da porta principal; Os pais devem fica acordados e atentos no escuro, quando a criança chorar (sinal de que a bruxa está a chupar-lhe o sangue), os pais devem, com a cera virgem, tapar o buraco da fechadura; Basta aguardar então o desencanto da bruxa, que se dará exatamente quando o galo preto cantar.

3)        Dentro de um baú de folha-de-flandres acende-se uma vela benta; reza-se o creio-em-deus-padre de trás para diante sobre a chama da vela e abaixa-se a tampa do baú de tal modo que o ar possa nele penetrar mantendo viva a chama. Com a casa as escuras todas as chaves devem ser retiradas das portas e colocadas em cima do baú; Quando a criança chorar os pais apanham as chaves de cima do baú, introduzem-nas nos buracos das fechaduras e acendem as luzes; Presa a bruxa, coagida pela oração e pela vela benta, tenta fechar o baú, e ao sentar-se em cima dele, perde o encanto.

4)        Uma variante da anterior: Num meio alqueire de medir farinha, junto a cama da criança, acende-se uma vela benta sobre a qual se reza o creio-em-deus-padre de trás para diante; A casa deve ficar as escuras com todas as chaves sobre o meio alqueire; Quando a criança chorar os pais apanham as chaves, introduzem-nas nas fechaduras e acendem as luzes; A bruxa, sentindo-se presa, procurará sentar-se sobre o meio alqueire, com o que se desencantará.

5)        Põe-se uma tesoura, aberta em cruz, numa mesa próxima ao berço da criança; As chaves das portas devem estar num pires com água benta; A casa estará as escuras; Quando a criança chorar os pais introduzem as chaves nas fechaduras e acendem as luzes; A bruxa, que tem horror a tesouras abertas, perde o encanto.

6)        Cozem-se folhas de Guiné, cordão-de-frade, limoeiro e arruda, nove dentes de alho e um pouco de mostarda; Com esse cozimento dá-se um banho na criança; Todos os irmãos e todas as pessoas da família residentes na casa devem lavar os pés na mesma água até chegar a vez do pai, que reza o creio-em-deus-padre de trás para diante sobre a vasilha; Fecha-se então a porta deixando-se a chave em falso, quase a cair pela parte de dentro; Põe-se a vasilha com água do cozimento abaixo da fechadura; Para penetrar na casa a bruxa deverá empurrar a chave, que cairá dentro da vasilha fazendo com que ela se desencante. Esta armadilha deverá ser preparada às sextas-feiras à hora da ave-maria.

Se estas armadilhas mais simples não dão resultado – há bruxas mais sabidas e mais experientes do que as outras, que não se deixam apanhar com facilidade – preparam-se outras mais fortes e mais terríveis, não apenas para desmascarar, mas também para revidar de algum modo, os poderes maléficos das bruxas, como as duas seguintes:

7)        Num prato com água perto da cama da criança, põem-se nove dentes de alho numa sexta-feira a hora da ave-maria, rezando-se o creio-em-deus-padre de trás pra diante; Uma faca bem afiada deve estar sob a cama do doente; Retiram-se todas as chaves das portas para que a bruxa possa entrar; Quando a criança chorar, dá-se-lhe uma colherinha da água que está no prato e corta-se com a faca um pedacinho da ponta de uma fita vermelha comprida, que surgirá descendo da cumeeira da casa em direção a boca da criança; Guarda-se o pedaço da fita sem nada dizer a ninguém. Uma estória corrente, relativa a esta armadilha, conta que o pedacinho da fita vermelha se transformou no bolso do pai, numa orelha humana – a orelha da bruxa, que desse modo pôde ser identificada.

8)        A hora da ave-maria numa sexta-feira, põe-se numa mesa próxima a cama da criança, um copo de cachaça sobre uma carta (usada) de baralho com um cigarro de palha de fumo de corda forte e uma faca afiada e pontiaguda, faz-se uma cruz sobre a mesa, reza-se o creio-em-deus-padre de trás pra diante; Quando a criança chorar retira-se o copo de cima da carta de baralho, apanha-se a faca e com ela se golpeia ou decepa qualquer parte de um bicho que aparecerá nas bordas do copo ou em cima do cigarro ou da carta de baralho. Uma estória referente a esta armadilha conta que o pai, tendo cortado a pata de uma rã que se equilibrava na borda do copo, viu-a transformada em dedos humanos – os dedos da bruxa que chupava o sangue do seu filho.

Nesses dois últimos tipos de armadilha, no dia seguinte corre a notícia de que uma mulher da vizinhança foi acidentada; O pai que deve manter o maior sigilo terá de procurá-la para que a armadilha dê o esperado resultado – a transformação mágica, em partes do corpo, das coisas que conseguiu arrancar à bruxa quando esta cumpria o seu triste destino.

Sempre que preparam uma armadilha os pais devem estar prevenidos com um rabo de tatu conservado no fumeiro da cozinha, para quando a bruxa reassumir a forma humana, aplicar-lhe uma boa surra até fazer sangue; Para reforçar a quebra do encanto as feridas da bruxa devem ser lavadas em salmoura – sal, pimenta e alho ou sal, cachaça e vinagre.


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As bruxas, poder maléfico solto sobre o mundo, são a maldade pela maldade sem endereço nem predileções, não há possibilidade de alguém as induzir a perseguir esta ou aquela pessoa e nem mesmo os parentes e os amigos estão livres de suas travessuras ou das suas crueldades.

Para a população em geral, são elas as responsáveis diretas, tanto por boa parte dos acontecimentos sem explicação plausível como por apreciável percentagem da mortalidade infantil (130,2 por mil nascidos vivos em 1957) registrada na ilha de santa Catarina.
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